domingo, 12 de julho de 2015

Grácia Nasi. Esther Mucznik. «… esta mulher não teve medo de desafiar homens, papas, reis e o seu próprio destino. Nasceu em 1510 em Portugal no seio de uma família expulsa de Espanha. Contudo não seria em Lisboa que encontraria a tranquilidade desejada…»

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A judia portuguesa do século XVI que desafiou o seu próprio destino
«(…) É, em seguida, uma cristã- nova, obrigada a esconder a sua dupla identidade, mas sem nunca dela se desembaraçar completamente, perseguida durante grande parte da sua vida, condenada à errância para se manter fiel a si mesma. Uma mulher que incarna nela própria o destino dos cristãos-novos judaizantes, eternamente dilacerados entre dois mundos, duas culturas, duas pertenças religiosas, duas identidades. Grácia Nasi é, por outro lado, herdeira de uma fortuna colossal por morte do marido. Fortuna cobiçada por reis, príncipes e papas que não se coíbem de exercer sobre ela as mais violentas pressões para se apoderarem da sua riqueza. Fiel às suas convicções e à sua fé inquebrantável, Grácia encontrou sempre alternativas de fuga ou de suborno que lhe permitiram resistir a elas. A sua vida percorre o mapa europeu da Península Ibérica até ao Império Otomano onde finalmente adoptou publicamente, e pela primeira vez, o judaísmo. Viúva aos vinte e cinco anos e à frente dum verdadeiro império, ela assumirá o seu papel de mulher de negócios simbolizando ao mais alto grau o espírito pioneiro, empreendedor e preponderante assumido na época pelos sefarditas judeus/cristãos-novos.
Finalmente, Grácia é uma mulher profundamente crente, habitada por uma paixão mística pelo judaísmo e que coloca o seu fervor religioso e uma parte significativa da sua fortuna ao serviço dos seus irmãos de destino, os marranos, originando uma verdadeira devoção. Samuel Usque chama-lhe o coração do seu povo. Cecil Roth escreve: em toda a história judaica, nenhuma outra mulher foi objecto de uma tal devoção; nenhuma outra mulher o mereceu tanto. Para rabinos e eruditos a quem ela ajudou e patrocinou, Grácia tem a piedade de Miriam, a sabedoria de Débora, a dedicação de Esther e a coragem de Judite. O meu encontro com Grácia Nasi não foi uma revelação fulgurante. O conhecimento da sua personagem foi progressivo, em primeiro lugar através de obras romanceadas, depois da leitura das biografias e estudos históricos. Confesso que o meu interesse por Grácia deve muito ao símbolo que representa. Mais do que uma mulher de carne e osso, uma carne ausente, como refere Catherine Clément, Grácia tornou-se o símbolo do sofrimento dos marranos, do misticismo messiânico que os habitava, da sua fé inquebrantável e ao mesmo tempo do pioneirismo económico que fez deles os precursores do capitalismo global.
Apesar do sentido pejorativo da palavra marranorr, termo pelo qual eram designados, em Espanha e depois em Portugal, os judeus convertidos ao cristianismo que guardavam secretamente as práticas judaicas, mantive este termo ao longo do texto, sem aspas, em vez do termo anuss (forçado) utilizado normalmente pelos judeus da Península para designar os seus irmãos convertidos à força. Com efeito, a expressão marranos, não só consta dos documentos da época, como é hoje quase universalmente utilizada pelos historiadores para designar os judeus secretos ou cripto-judeus. O termo é também, para muitos dos seus descendentes, sinónimo de resistência à assimilação forçada ao cristianismo. Assim, de termo pejorativo que era, a expressão marrano passou a reflectir uma situação histórica e uma conduta colectiva de um grupo de cristãos-novos.
Outros nomes que se podem prestar a equívocos são os de Constantinopla e Istambul, Turquia e Império Otomano. Com a queda ou conquista (conforme o ponto de vista dos derrotados ou dos vencedores) do império bizantino e de Constantinopla, em 1453, pelos Turcos, esta passou a chamar-se Istambul, muito embora o nome só tenha sido oficializado depois do fim do Império Otomano. Apesar de o Ocidente ter mantido o nome de Constantinopla durante muito tempo, adoptei em geral o nome de Istambul que é o nome da cidade desde o século XV. Da mesma forma a república turca, a Turquia, só é criada oficialmente em 1923, após a queda do Império Otomano. Mas tendo em conta que foram os Turcos os seus fundadores, é frequente chamar-se indiferenciadamente Império Otomano ou Império Turco. Os nomes também utilizados de Sublime Porta ou simplesmente, Porta, referem-se ao antigo cerimonial de acolhimento, pelo sultão, dos embaixadores estrangeiros à entrada do palácio». In Esther Mucznik, Grácia Nasi, A judia portuguesa do século XVI que desafiou o seu próprio destino, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-626-244-0.

Cortesia de ELivros/JDACT