sexta-feira, 17 de julho de 2015

Notas para a Compreensão do Surrealismo em Portugal. António Cândido Franco. «Vou respirar fundo, dar uma volta, mirar as estrelas. Dou por seguro o seguinte: a peça há-de levar outra demão»

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Das Experiências de Além Mundo ao Supra-real
«(…) Digo comigo que não devo voltar a página sem associar o ano de 1924, em que Freud publicou a Autobiografia, ao aparecimento do primeiro manifesto do surrealismo, autoria de André Breton. É o momento crucial da fundação do movimento, com um texto fundador, se bem que desde 1919, ano do primeiro texto escrito automático, se possam apreciar e em larga escala os trabalhos do grupo. No magma em que estou a trabalhar esse texto interessa muito pelas relações com a teoria freudiana, os trabalhos preparatórios acima referidos foram todos concebidos e desenvolvidos debaixo do influxo das técnicas psicanalíticas que Breton conhecia desde 1916, e pelo que nele se encontra, ao menos em estado embrionário, relativo a Platão e aos seus desenvolvimentos. Começo pela designação do movimento que aparece letreiro do primeiro manifesto, surrealismo, manifeste du surréalìsm. O nome, que na portuguesa língua teve hesitações, O'Neill numa carta a Cesariny de Setembro de 1947 diz por exemplo: passo a expor os meus projectos quanto a um possível movimento super-realista (creio ser este o vocábulo a adoptar) português, antes de se fixar naquele que acabou por vingar e que hoje é corrente, adaptação directa do francês, surrealismo, tem informes vários no manifesto de 1924, de modo a explicitar o seu sentido, ou o que com ele pretendia Breton, o que se entende pela novidade muito recente do vocábulo e o seu pouco ou nenhum uso, já que havia sido criado em 1917-18 por Apollinaire para classificar em subtítulo, drame surréliste, sem mais, um livro seu, Les Mamelles de Tirésias. Significativa nesse capítulo é a aproximação que Breton faz entre o que pretende dizer com a palavra e aquilo que dois autores do século anterior, Carlyle em 1833-4 e Nerval em 1853, disseram quando usaram a palavra super-naturalismo, o primeiro no oitavo capítulo de Sartor Resartus e o segundo na dedicatória de Filhas do Fogo. Em relação a Nerval, Breton chega mesmo a dizer que ele possuiu no seu tempo, não a letra da palavra, que cabe a Apollinaire, mas o seu espírito». In António Cândido Franco, Notas para a Compreensão do Surrealismo em Portugal, Lisboa, Peniche, Évora, Editora Licorne, 2012, ISBN 978-972-8661-90-8.

Cortesia de Licorne/JDACT