«(…) Desde a segunda metade
do século XVI o país já não participava na evolução cultural e intelectual
europeia e teimava em ficar encerrado num mundo
encantado. O racionalismo, que estava a criar uma Europa diferente, não
afectava profundamente a consciência portuguesa. Na filosofia e na teologia
predominava o epigonismo escolástico, sem o espírito inovador dos grandes
mestres que fundaram a escola. Na historiografia não se tomava conhecimento das
novas ideias descobertas pela crítica histórica. Nas Universidades, as ciências
experimentais eram pouco estudadas e pouco estimadas. E assim poderíamos
continuar a enumeração dos atrasos culturais. Em muitos pontos, existia ainda
em Portugal uma sociedade maciçamente sacral,
que se tornava cada vez mais anacrónica. Ela é, sem dúvida, uma condição prévia
de todo e qualquer messianismo, mas não explica a larga difusão e a longa
duração do fenómeno. Basta olharmos para Espanha, onde, no mesmo período,
existia uma situação muito semelhante, mas onde o messianismo nunca chegou a
ter a mesma importância.
A segunda razão poderia
consistir no famoso substrato celta, etnia a que se atribuem o amor do longínquo,
o sonho do ideal impossível de realizar e a volúpia de fantasiar. A tese
celtista, formulada no fim do século passado por Oliveira Martins e
depois sustentada por diversos historiadores da cultura portuguesa, parece relacionar-se
com a figura do rei galês Artur, o protótipo do mítico rei Sebastião. Com
efeito, é muito plausível que a índole sonhadora e fantasista do substrato
celta tenha criado, entre os Portugueses, uma certa predisposição para
embeber-se nas esperanças messiânicas. Parece que, assim como o carácter sacral da sociedade portuguesa
possibilitou o grande êxito do sebastianismo, assim o substrato celta o
favoreceu. Mas também este não é suficiente para explicar o fenómeno na sua
totalidade. Não devemos esquecer que o povo português, durante a sua longa e
rica história, deu provas abundantes de um grande realismo e que as suas faculdades
imaginativas se poderiam ter revelado de maneira bem diferente.
A terceira razão, que me
parece mais decisiva, relaciona-se com a história do povo português. Esta é uma
história de grandes esperanças cruelmente frustradas. No fim da Idade Média,
Portugal tinha o orgulho de ser um país pioneiro e até imaginava ser um povo
eleito. Pouco depois de entrar nos tempos modernos, viu-se humilhado e
impotente. A frustração de grandes esperanças históricas costuma exacerbar o ânimo
dos povos em que estão lançados os germes do messianismo. Quanto maiores as
atribulações externas e internas, mais fortes se tornam as esperanças num futuro
glorioso, nutridas pela recordação de um passado glorioso. Prova-o a história
de Israel. Portugal é o país mais antigo da Europa. Já em meados do século XIII
possuía as fronteiras que ainda hoje em dia mantém. Assim, tinha vantagem sobre
as outras nações europeias em unir política, linguística e culturalmente a
população do território nacional. Parecia predestinado a ficar absorvido pelo
poder crescente de Castela, seguindo o destino de tantos outros reinos da Península.
Apesar de todas as tentativas que de dentro e de fora se fizeram neste
sentido, o país conseguiu manter a sua independência. A guerra de 1383
a 1385, além de selar a autonomia nacional, foi também uma revolução
social e política, que modernizou as estruturas do país. Na obra de Fernão
Lopes vemos expresso o júbilo pela grande realização, que lhe parece iniciar a sétima
e última idade da História humana. Encontramos nela diversos passos que, se o
não proclamam abertamente, ao menos insinuam que o povo português é o povo
eleito dos tempos modernos. No reinado de João I deu-se a tomada de Ceuta, a primeira
fortaleza conquistada aos infiéis fora do continente europeu. Neste clima de
euforia nacional nasceu a lenda de que Cristo teria aparecido a Afonso
Henriques no campo de Ourique, lenda que ilustra o lugar privilegiado de
Portugal entre todas as nações cristãs e que, mais tarde, ampliada com elementos
nitidamente messianistas, acabou por constituir um dogma fundamental do credo
lusitano». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto
Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.
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