«Durante os seus primeiros
sessenta e oito anos, o novo reino de Portugal viveu num ambiente de paz
interna. A autoridade de Afonso Henriques foi sempre indiscutível e a sucessão
em Sancho I não gerou nenhuma crise política, mau grado a tensão que possa ter
chegado a existir entre este monarca e o seu meio-irmão Fernando Afonso; o
assassinato do bastardo, em 1207,
também pode ter resultado dessa rivalidade, mas tratou-se de um incidente
pontual, que não descambou num conflito militar. Sancho I enfrentou uma
conjuntura externa mais problemática que a do pai, com fases de relacionamento
complexo com o reino de Leão, que se foi tornando ameaçador, e entrou em
conflito com a hierarquia da Igreja. No entanto, os barões portucalenses nem desafiaram
o monarca, nem terçaram armas entre si nestes dois reinados; a autoridade régia
impôs-se, ainda que a dança das nomeações para os cargos palatinos principais,
como o de mordomo-mor e de alferes-mor, deixem adivinhar tensões, que os
dissídios para o serviço d’el-rei de Leão confirmam. Isso significa, porém, que
os insatisfeitos partiam em vez de desafiar a Coroa, o que favoreceu a coesão
política e gerou os alicerces capazes de resistir aos anos tumultuosos que se
seguiram.
El-rei Sancho I morreu a 26 de
Março de 1211. Deixava prole
numerosa, encabeçada pelo primogénito, o novo rei Afonso II, de saúde frágil.
Nestes tempos em que os reis afirmavam o seu poder pela chefia da hoste, o Gordo logrou impor-se sem encabeçar o
exército, o que o tornou menos popular e menos temível. O facto de ter muitos
irmãos funcionou, neste caso, como um factor suplementar de fragilidade, pois os
infantes guerreiros inspiravam mais confiança e mais respeito aos barões que os
serviam. De facto, as relações entre os irmãos eram difíceis, e os infantes Pedro
e Fernando ausentaram-se do reino logo a seguir ao falecimento de Sancho I. O
infante Fernando partiu para o Norte e desligou-se da intriga política
peninsular, mas alinhou na luta entre a monarquia francesa e o Império e ficou
prisioneiro de Filipe Augusto, rei de Franca, no rescaldo da Batalha de
Bouvines, em 1214. O infante
Pedro, por sua vez, limitou-se a cruzar a fronteira e instalou-se em Leão
espreitando uma oportunidade que lhe permitisse substituir o irmão no trono
português. Em Portugal ficaram as irmãs de Afonso II, a quem Sancho I concedera
territórios importantes. Teresa, a mais velha, fora casada com o rei Afonso IX
de Leão, e era então a mãe do infante Fernando, herdeiro daquele reino, já com
19 anos, e também desejava o trono português, o que, a concretizar-se, poderia
levar à fusão das monarquias de Portugal e de Leão.
Assim, Afonso II não subiu ao
trono num ambiente de consenso político, como sucedera com o pai. Era um
monarca acossado pelo próprio corpo e pelos seus rivais, e uma parte dos
magnates portugueses alinharam com as infantas. Por isso, a guerra civil
estalou poucos meses depois da entronização do novo rei. O monarca procurou
cercear rapidamente o poder que estava nas mãos das suas irmãs e as
hostilidades devem ter-se iniciado em Novembro de 1211, com o ataque e a ocupação de Montemor-o-Velho. Na Primavera
seguinte, vários barões do Norte, mais a hoste leonesa, sob o comando do
infante Pedro e do seu sobrinho, Fernando, herdeiro de Leão, atacaram Afonso
II. O monarca mudou-se de Coimbra para Guimarães, onde resistiu às investidas da
hoste leonesa e à turbulência dos barões rebeldes. O conflito durou poucos
meses, pois a 11 de Novembro de 1212
reuniram-se em Coimbra três Afonsos: Afonso II de Portugal, Afonso IX de Leão
e Afonso VIII de Castela. Este último, recém-vencedor da Batalha de Las
Navas tentava repor a concórdia no extremo ocidente peninsular.
As tréguas foram curtas e o
conflito reacendeu-se quando veio o bom tempo. Apesar da sua debilidade física,
Afonso II revelou uma força política inesgotável e fez crescer a autoridade
real. No entanto, nunca conseguiu pacificar totalmente o reino nem submeter de
vez as suas irmãs. As dissensões no seio da família real e a consequente instabilidade
política e fragilidade do poder central só seriam resolvidas definitivamente com
a subida ao trono de Afonso III. Deve notar-se, contudo, que foi nestes anos
conturbados que Portugal resistiu aos apetites hegemónicos de Leão e que logrou
dilatar o seu território até ao Algarve». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da
Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN
978-989-644-248-4.
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