segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O Cavaleiro de Olivença João Paulo O Costa. «Era para ir, meu filho, mas este frio que nunca mais passa está a incomodar-me e tenho de regressar a casa. Voltarei prestes. Enquanto caminhava viu um grupo de rapazes que saltavam ao eixo»

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O amigo da rainha
«(…) No dia seguinte à festa da Páscoa, uma mulher idosa, um pouco curvada, de passo firme  mas pausado e com roupas que denunciavam sua riqueza e fidalguia, caminhava pela Rua Nova. Andava em seu passeio habitual e fora visitar a filha de um de seus pastores que acabara de dar à luz. Quando chegou à praça olhou instintivamente para a torre à direita, onde um relógio anunciava a marcha do tempo. É um dos mais antigos de nosso reino, explicara-lhe um dia o bispo Henrique, bispo de Ceuta. Sabede, dona Antónia, que foi ali posto no tempo d’el-rei Afonso, o quinto. Ainda era cedo e virou à esquerda, dirigindo-se para a igreja de Santa Maria Madalena. À porta estava o sacristão.
Então, Jaime, por quem dobram os sinos? Ainda não sabe, dona Antónia? Pois chegou notícia que a rainha Joana, a mãe do imperador e de Sua Alteza a rainha dona Catarina, foi chamada por Deus Nosso Senhor. Dona Antónia sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. Acabara de ser agitada pelo passado, por memórias antigas, esquecidas no dia a dia, mas que afinal estavam vivas em seu espírito e que só esperavam uma oportunidade para voltar a preencher seus pensamentos. Acenou para o sacristão e interrompeu a caminhada. Dona Antónia, não ides à igreja? Está prestes à começar a recitação das vésperas.
Era para ir, meu filho, mas este frio que nunca mais passa está a incomodar-me e tenho de regressar a casa. Voltarei prestes. Enquanto caminhava viu um grupo de rapazes que saltavam ao eixo. Eh, moços! Vinde cá. Dona Antónia Sousa era uma das personagens mais importantes da vila. Fora senhora de um morgadio, para as bandas de Moura, que cedera a seu enteado e em troca ficara com os bens do falecido marido. Tinha casa que habitava em Olivença, e várias propriedades em torno da vila que lhe rendiam bom dinheiro, a que juntava uns padrões de tença que herdara do pai, mais outra que a Coroa lhe pagava por respeito aos serviços extraordinários do seu esposo. Quando chamava alguém da terra logo era atendida, e a rapaziada acercou-se prestes. Ide chamar a Matilde e dizer-lhe para vir a minha casa. Os rapazes olharam uns para os outros embaraçados. Senhora dona Antónia, dizem que a Matilde é uma bruxa.
Mas que rapazes tão tolos. Deixai-vos de imaginações. Matilde em sua velhice tem modos muito próprios, porque sempre gostou da natureza e porque vivendo sozinha não tem quem lhe corrija as bizarrias. Mas asseguro-vos que é uma fiel servidora da Coroa e da Igreja..., e podeis dizer isso a vossos pais. Agora ide chamá-la. Tenho um bolo acabado de fazer na minha cozinha. Passai por lá depois». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT