O Tempo de Meu Pai
«(…) Quando lhe perguntei o que os oradores tinham dito, respondeu-me
vagamente, e com um ar superior: oh! O que é hábito, sempre a mesma coisa. Pelo
que pude entender, lembraram que o mundo inteiro lhes devia a liberdade, além
de que, os deuses os amavam de tal forma que haviam dissimulado no seu solo os
mármores mais belos do mundo e que a sua cidade estava a igual distância de
todos os pontos mais longínquos da terra. Vantagem cujo alcance eu não compreendi,
de forma alguma. Disse-o a Caio, que me respondeu: é que tu és muito pequena.
Quando fores grande, verás. Então, desapareceu numa pirueta, para interrogar um
ou outro e obter deles conhecimentos que me seriam inacessíveis. A viagem do
meu pai, eu deveria dizer a nossa viagem, continuou, depois da paragem em
Atenas. O nascimento que a minha mãe esperava estava agora próximo, o que nos
obrigou a sacrificar alguns desvios. Limitámo-nos a atravessar a Eubeia para
chegar o mais cedo possível à ilha de Lesbos. Foi lá que nasceu Livila a mais
nova das minhas irmãs e o último rebento da nossa família. Enquanto a minha mãe
se restabelecia, Germânico não ficou junto dela e eu perguntava-me por que
razão não fez. Foi-me dito que, graças aos deuses, tendo a criança vindo bem ao
mundo, o nosso pai deva entregar-se por completo ao serviço do príncipe. Caio,
que eu interrogara para saber em que consistiam esses deveres, repetindo
gravemente o que ouvira dizer, disse-me que havia, lá, na Ásia (e apontava para
o Leste), uma quantidade de cidades que tinham necessidade de ajuda.
A terra tremera, no ano anterior, e isso tinha causado
muitos estragos. Era preciso ir ver o que acontecera ao certo. E depois, ao que
parecia, as coisas não iam pelo melhor entre as cidades. Estavam em conflito,
os cidadãos imaginavam todas as formas para não pagar o imposto e os
magistrados para se apropriarem do pouco que restava. Assim falava Caio, com um
conhecimento e um saber que não lhe eram naturais. Confesso que tudo aquilo me
interessava muito pouco. Apenas lamentava que esses problemas, tão distantes de
nós, retivessem o nosso pai e nos privassem dele. Na verdade, que sabia eu
dele? Eu teria querido amá-lo com todo o meu coração, como amava a minha mãe, mas
as suas ausências constantes e todo o tempo que ele dedicava ao trabalho,
quando não estava longe, eram também obstáculos entre ele e eu. O seu prestígio
tinha talvez aumentado por isso, é possível; mas parecia-me, confusamente, que
entre um pai e a sua filha deveria existir outra coisa e que a admiração que eu
lhe dedicava, e que eu não era a única a sentir, deveria ter encontrado nele a
recompensa merecida. Eu quisera tanto que, por vezes, ele me tivesse tomado nos
seus braços e me tivesse falado docemente! Nesse momento, o herói, o deus
ter-se-ia humanizado, ter-lhe-ia podido contar os meus pequenos segredos, como
os contava à minha mãe, falar-lhe dos pássaros que vira no mar, quando vínhamos
para o Oriente, e que tanto me tinham intrigado, quando mergulhavam nos sulcos
provocados pelo nosso barco. Teria adorado ouvi-lo contar-me a sua história, se
é que a tinham. Teriam eles sido sempre pássaros? Não teriam eles sido, há
muito tempo, também humanos? A minha ama tinha-me contado histórias em que
homens e mulheres haviam sido transformados em pássaros. Falara-me de alcíones,
de gaivotas e também de rouxinóis.
Graças a ela, eu sabia que os rouxinóis, as andorinhas (que
eu aprendi a reconhecer, no céu de Roma, que atravessavam, à tardinha, com o
seu voo rápido e cortante como uma lâmina), as poupas, os picanços (que havia nos
bosques do Palatino) tinham todos sido, outrora, membros de uma mesma família,
que os deuses tinham transformado em pássaros, por razões que eu não
compreendia muito bem. Era tudo isso que eu teria querido perguntar ao meu pai.
Se ele me tivesse dito que isso era verdade, então eu teria acreditado. Mas que
tinha um imperator romano,
encarregado pelo príncipe de missões da maior importância, a ver com tais
histórias de pássaros? Entendi, desde então, quais eram as preocupações de Germânico
durante aquela Primavera do seu segundo consulado. Ele estava inquieto. Não
disfarçaria Tibério alguma estranha conspiração com as honras que lhe tinha
concedido? Ele suspeitara disso quando o imperador o separou das suas legiões, na
Germânia, as legiões que ele soubera apaziguar e afeiçoar a si, talvez mais
estreitamente do que teria sido conveniente. As decisões de Tibério tinham
muitas vezes motivos secretos». In Pierre Grimal, Memórias de Agripina, Lyon
Edições, Romances Históricos, 2000, ISBN 972-8461-51-8.
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