domingo, 13 de setembro de 2015

Memórias de Agripina. Pierre Grimal. «Teriam eles sido sempre pássaros? Não teriam eles sido, há muito tempo, também humanos? A minha ama tinha-me contado histórias em que homens e mulheres haviam sido transformados em pássaros»

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O Tempo de Meu Pai
«(…) Quando lhe perguntei o que os oradores tinham dito, respondeu-me vagamente, e com um ar superior: oh! O que é hábito, sempre a mesma coisa. Pelo que pude entender, lembraram que o mundo inteiro lhes devia a liberdade, além de que, os deuses os amavam de tal forma que haviam dissimulado no seu solo os mármores mais belos do mundo e que a sua cidade estava a igual distância de todos os pontos mais longínquos da terra. Vantagem cujo alcance eu não compreendi, de forma alguma. Disse-o a Caio, que me respondeu: é que tu és muito pequena. Quando fores grande, verás. Então, desapareceu numa pirueta, para interrogar um ou outro e obter deles conhecimentos que me seriam inacessíveis. A viagem do meu pai, eu deveria dizer a nossa viagem, continuou, depois da paragem em Atenas. O nascimento que a minha mãe esperava estava agora próximo, o que nos obrigou a sacrificar alguns desvios. Limitámo-nos a atravessar a Eubeia para chegar o mais cedo possível à ilha de Lesbos. Foi lá que nasceu Livila a mais nova das minhas irmãs e o último rebento da nossa família. Enquanto a minha mãe se restabelecia, Germânico não ficou junto dela e eu perguntava-me por que razão não fez. Foi-me dito que, graças aos deuses, tendo a criança vindo bem ao mundo, o nosso pai deva entregar-se por completo ao serviço do príncipe. Caio, que eu interrogara para saber em que consistiam esses deveres, repetindo gravemente o que ouvira dizer, disse-me que havia, lá, na Ásia (e apontava para o Leste), uma quantidade de cidades que tinham necessidade de ajuda.
A terra tremera, no ano anterior, e isso tinha causado muitos estragos. Era preciso ir ver o que acontecera ao certo. E depois, ao que parecia, as coisas não iam pelo melhor entre as cidades. Estavam em conflito, os cidadãos imaginavam todas as formas para não pagar o imposto e os magistrados para se apropriarem do pouco que restava. Assim falava Caio, com um conhecimento e um saber que não lhe eram naturais. Confesso que tudo aquilo me interessava muito pouco. Apenas lamentava que esses problemas, tão distantes de nós, retivessem o nosso pai e nos privassem dele. Na verdade, que sabia eu dele? Eu teria querido amá-lo com todo o meu coração, como amava a minha mãe, mas as suas ausências constantes e todo o tempo que ele dedicava ao trabalho, quando não estava longe, eram também obstáculos entre ele e eu. O seu prestígio tinha talvez aumentado por isso, é possível; mas parecia-me, confusamente, que entre um pai e a sua filha deveria existir outra coisa e que a admiração que eu lhe dedicava, e que eu não era a única a sentir, deveria ter encontrado nele a recompensa merecida. Eu quisera tanto que, por vezes, ele me tivesse tomado nos seus braços e me tivesse falado docemente! Nesse momento, o herói, o deus ter-se-ia humanizado, ter-lhe-ia podido contar os meus pequenos segredos, como os contava à minha mãe, falar-lhe dos pássaros que vira no mar, quando vínhamos para o Oriente, e que tanto me tinham intrigado, quando mergulhavam nos sulcos provocados pelo nosso barco. Teria adorado ouvi-lo contar-me a sua história, se é que a tinham. Teriam eles sido sempre pássaros? Não teriam eles sido, há muito tempo, também humanos? A minha ama tinha-me contado histórias em que homens e mulheres haviam sido transformados em pássaros. Falara-me de alcíones, de gaivotas e também de rouxinóis.
Graças a ela, eu sabia que os rouxinóis, as andorinhas (que eu aprendi a reconhecer, no céu de Roma, que atravessavam, à tardinha, com o seu voo rápido e cortante como uma lâmina), as poupas, os picanços (que havia nos bosques do Palatino) tinham todos sido, outrora, membros de uma mesma família, que os deuses tinham transformado em pássaros, por razões que eu não compreendia muito bem. Era tudo isso que eu teria querido perguntar ao meu pai. Se ele me tivesse dito que isso era verdade, então eu teria acreditado. Mas que tinha um imperator romano, encarregado pelo príncipe de missões da maior importância, a ver com tais histórias de pássaros? Entendi, desde então, quais eram as preocupações de Germânico durante aquela Primavera do seu segundo consulado. Ele estava inquieto. Não disfarçaria Tibério alguma estranha conspiração com as honras que lhe tinha concedido? Ele suspeitara disso quando o imperador o separou das suas legiões, na Germânia, as legiões que ele soubera apaziguar e afeiçoar a si, talvez mais estreitamente do que teria sido conveniente. As decisões de Tibério tinham muitas vezes motivos secretos». In Pierre Grimal, Memórias de Agripina, Lyon Edições, Romances Históricos, 2000, ISBN 972-8461-51-8.

Cortesia LyonE./JDACT