O
rei Dinis I e a Rainha Santa Isabel
«Repousa no Mosteiro de Odivelas um
dos mais importantes reis da História de Portugal: Dinis I. A origem do edifício está envolta numa lenda. Diz-se que foi
o cumprimento de uma promessa. Que, durante uma caçada, o rei Dinis teria sido atacado
por um urso e que, rezando aos seus santos protectores, São Dínis e São Luís, jurou
fundar ali um mosteiro, caso conseguisse salvar-se. E assim teria acontecido. Crente
de que poderes maiores o protegiam, o rei teria desembainhado o punhal que
trazia à cintura e investido sobre a fera, cravando-lhe a lâmina no coração. E,
se descontarmos à história a estranheza de haver ursos às portas de Lisboa, sobram
os factos: o mosteiro erguido, depois arrasado pelo terramoto de 1755, mas com o túmulo de Dinis I a
escapar incólume no interior da igreja gótica primitiva.
O edifício foi reconstruído e sobrevive
até hoje, guardado por uma estátua da mulher do rei, ela própria também uma figura
especialíssima da História nacional: a rainha
dona Isabel de Aragão. Não é ali, porém, que repousa o corpo da Rainha Santa.
Naquela época, muitos reis e rainhas europeus não eram enterrados juntos, mas o
rei Dinis tinha mandado fazer o Mosteiro de Odivelas precisamente para que
fosse o Panteão Régio, a última morada dos reis de Portugal. Porque terá
Isabel preferido ser enterrada num mosteiro que ela mesma mandara fazer, o de Santa
Clara, em Coimbra, bem longe do marido? Dinis I foi o sexto rei de Portugal e, depois
de Afonso Henriques, provavelmente o mais determinante de toda a primeira dinastia
para a História nacional. Se Portugal é hoje um dos mais antigos estados-nação do
mundo, isso deve-se, em grande medida, às decisões que Dinis tomou durante os 46 anos do seu longo reinado.
Em 1297, concluída a reconquista do território aos mouros, assinou com
Castela e Leão o tratado de Alcanizes, pelo qual ficaram definidas as fronteiras
que Portugal mantém, com ténues alterações, até hoje. Foi também ele quem instituiu
o português como língua oficial da corte e um dos seus primeiros cultores através
das mais de 140 cantigas líricas e satíricas que escreveu e compôs (pensa-se mesmo
que terá sido o primeiro rei português alfabetizado. Criou os Estudos Gerais,
a primeira universidade do reino, inicialmente instalada em Lisboa e
transferida, em 1308, para Coimbra. Introduziu
no reino o papel, substituindo o pergaminho, reorganizou o exército e a marinha
de guerra. Libertou as ordens militares de influências estrangeiras e fundou a Ordem
de Cristo, que recolheu os bens dos Templários quando os Cavaleiros da Ordem do
Templo foram malditos e extintos.
Na
senda dos antepassados, prosseguiu a centralização do poder na Coroa,
enfrentando e vencendo, para isso, a resistência da nobreza e do clero. E, apesar
de ter levado essa luta ainda mais longe do que os antecessores, conseguiu escapar
à excomunhão e pôr termo à guerra fria que desde Afonso II corria entre Portugal
e a Santa Sé. A reconciliação é oficializada em 1289, quando o papa Nicolau IV publica a bula Cum Olim. Com o poder centralizado em si, o rei impulsionou a
economia nacional. Ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro,
organizou a exportação dos excedentes e assinou o primeiro tratado comercial entre
Portugal e Inglaterra. As terras que entregou aos camponeses valeram-lhe o cognome
de o Rei Lavrador; o pinhal de Leiria,
a que deu franco desenvolvimento, não só protegeu os terrenos agrícolas ao redor,
como se revelaria fundamental na hora em que Portugal descobrisse a vocação
expansionista e necessitasse de madeira para a construção das embarcações». In
Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas,
2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT