«A 19 de Abril de 2005, o cardeal Joseph Àloisius Ratzinger
era eleito novo Sumo Pontífice, três dias depois de celebrar o seu septuagésimo
oitavo aniversário e após dois dias de conclave e igual número de fumos negros.
Imediatamente após a sua eleição, durante o encontro informal com aqueles que tinham
sido os seus mais estreitos colaboradores na Congregação para a Doutrina da Fé,
o já papa Bento XVI disse: … esperava retirar-me
pacificamente e, até certa altura, disse a Deus, por favor, não me faças isto...
É evidente que, desta vez, Ele não me ouviu. O cardeal Ratzinger tinha repetido
em várias ocasiões que gostaria de se retirar para uma tranquila aldeia bávara,
para se dedicar à escrita de livros de filosofia, ainda que alguns membros da cúria
próximos de si o tivessem ouvido dizer que estava pronto para qualquer função que
Deus me queira atribuir. É claro que Bento XVI pertence a essa grande tradição
que demonstra o carácter provisório das decisões no interior dos muros do
Vaticano. O que o novo Pontífice não sabia naquele momento era que, tal como João
XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II, se iria deparar com um osso duro
de roer: o IOR (Instituto para as Obras Religiosas) ou Banco da Vaticano.
Hoje em dia, como há séculos, adequar-se-ia
na perfeição uma frase que um bom amigo e importante advogado, especialista em Direito
Canónico e conhecedor das intrigas do Vaticano, me disse em certa ocasião: … nunca te esqueças, caro Eric, que, para o
Vaticano, tudo o que não é sagrado é secreto. Não restam dúvidas de que
tinha razão. Apesar de o secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal Tarcisio
Bertone, ter chegado a declarar que alguns
jornalistas e escritores divertem-se a imitar Dan Brown, o polémico autor
de O Código Da Vinci e Anjos e Demónios, há que reconhecer
que não há nada como meter no mesmo pote mordomos traidores; fugas de documentos;
comissões secretas de investigação ao serviço da espionagem e da contraespionagem
do Vaticano; prelados que denunciam a corrupção e são, de imediato, afastados de
São Pedro; lavagem de dinheiro; altos membros da máfia siciliana; uma conspiração
para assassinar o papa; uma adolescente desaparecida e, supostamente, usada como
escrava sexual; uma guerra entre jornalistas e directores da imprensa católica;
um presidente cessante do IOR com medo de ser assassinado..., e
temperar a mistura com um intrigante secretário de Estado, para fazer as delícias
de qualquer pessoa que queira imitar o famoso escritor norte-americano. E, de
facto, no Estado da Cidade do Vaticano, a realidade supera sempre a ficção.
Quando
se suprime a justiça, o que são os reinos senão grandes bandps de ladrões?, escreveu Bento
XVI na sua primeira encíclica, Deus carita est, em 2005, usando uma
frase de Santo Agostinho. Decerto que o novo papa não sabia que, sete anos mais
tarde, a imagem pública do Vaticano se ia tornar num precioso assunto de primeira
página. Os reveladores de documentos
afirmavam, para quem os quisesse ouvir, que o faziam por amor ao Sumo
Pontífice, cuja casa pretendiam ajudar a limpar. O vaticanista Sandro Magister destacou
num artigo que, embora nenhuma das malfeitorias
reveladas nos documentos implique a sua pessoa, o certo é que todas elas recaem
inexoravelmente sobre ele. Outros criticaram abertamente o facto de a linha
ténue que, no Vaticano, separa os actos ilícitos dos de pura ineficácia ser hoje
quase inexistente. Não existem uns sem outros.
A luta
intestina e sangrenta, aberta no seio do Sacro Colégio Cardinalício, é uma das frentes
abertas com que o papa se debate actualmente. Na guerra desencadeada pelos cardeais
Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, actual decano dos cardeais, toma parte, entre
outros, o cardeal Attilio Nicora, inimigo do secretário de Estado Bertone
desde a época em que Sodano foi secretário da Congregação para a Doutrina da Fé,
na década de 90 do século passado. Entre os críticos
de Bertone, consta, entre outros, o poderoso cardeal francês Jean-Louis Pierre Tauran,
acérrimo seguidor de Angelo Sodano, ex-secretário de Relações com os Estados
da Secretaria de Estado e antigo responsável da Biblioteca do Vaticano e dos
Arquivos Secretos. O francês aproveitou todas as oportunidades ao seu alcance
para denunciar os falsos movimentos em matéria de política externa levados a cabo
por Tarcisio Bertone. De facto, Tauran chegou a criticar abertamente o facto de
um homem como Bertone, um homem inexperiente
em termos de política externa e diplomacia, ter sido escolhido para secretário
de Estado. O cardeal Nicora teve uma carreira bastante activa dentro da Administração
do Património da Sé Apostólica (APSA). Foi nomeado para esse cargo
em Outubro de 2003 pelo papa João Paulo
II, afastado a 2 de Abril de 2005 por
Bento XVI, confirmado dezanove dias mais tarde no cargo e demitido em Julho de 2011, ao que parece, por influência de Bertone».
In
Eric Frattini, Os Abutres do Vaticano, 2012, tradução de Pedro Carvalho,
Bertrand Editora, Lisboa, 2013, ISBN 978-972-252-598-5.
Cortesia
de BertrandE/JDACT