quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Um Problema Religioso. Cátaros. Um Pretexto Político. Jesus Mestre Godes. «Outra característica occitânica é o desenvolvimento mercantil. O comércio, que tinha por base os dois grandes centros de Toulouse e Narbonne, era fruto do crescimento da burguesia…»

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«O catarismo é um fenómeno histórico que pode ser observado segundo dois pontos de vista: para uns, é uma religião evangélica, para outros, trata-se de uma clara heresia…»

Lenguadoc. Século XIII. A originalidade Occitânica
«(…) Continuemos a compilar pormenores sobre o tema. Pode-se demonstrar, por exemplo, que o número de escravos que recuperam a liberdade é superior no Languedoc relativamenre a outras zonas de França. (Os estudos compararitos são quase todos entre a França do Norte e o Midi). Belperron, sarcástico, assinala o facto da libertação, como que implícito em razões económicas: se ao rei francês lhe repugnava deixar escapar a mais ínfima parcela de autoridade, no Midi, os senhores, mais liberais, mais imbuídos do direito romano, mas necessitados de dinheiro, aceitavam o resgace dos escravos. A questão que permanece por discutir, é saber se é preferível ser livre, ou ter segurança de poder rrabalhar e desfrutar dos frutos do trabalho. Apesar da sua evidente aversão contra tudo o que lhe cheire a meridional, Belperron é um historiador brilhanre, e agora, sem querer, introduz-nos num aspecto interessante e também original: a conservação do espírito romano na Occitânia. Ele implica um respeito ao direito, como ele mesmo o rnanifesta, que faz dele um eixo corrector da conduta. Quis comparar a máxima real do norte de França, nenhuma terra sem senhor, com a fórmula jurídica utilizada na Occitânia, nenhum senhor sem propriedade. Seguindo este raciocínio, o Norte estaria mais vinculado ao feudalismo, baseado na sujeição do homem ao serviço do senhor que ao mesmo tempo o protegia. A perspectiva meridional, pelo contrário, baseada na legislação romana afirmava os direitos do indivíduo e pretende que tudo se estabeleça na força do contrato.
Este relaxamento dos laços entre senhores e vassalos é também visível entre o senhor e as cidades occitânicas, que formavam comunidades à parte, quase independentes, sobre as quais o soberano imediato, o conde de Toulouse, por exemplo, tinha uma autoridade pouco menos que nula. O que leva muitos historiadores a afirmar que o condado é um estado carente de coesão, onde o poder central tinha sofrido um enfraquecimento e que tinha dificuldade em cumprir as suas funções. De acordo com Labal, na Occitânia, as instituições feudais penetraram mal. Existe uma resistência a fazer-se uso do juramento de vassalagem. No contrato feudal, prefere-se o pacto entre iguais, acordos bilatetais de poder a poder, mais flexíveis. Nas relações entre a Igreja e os senhores occitânicos existe mesmo assim um certo grau de originalidade. Existe nelas, como não poderia deixar de ser um facto direccional..., mais um. No Languedoc leva-se a cabo a primeira tentativa de separação dos dois poderes, seguindo o princípio da reforma da Igreja, postulado por Gregório VII. Mesmo assim, a interpretação foi sui generis: se a reforma queria acabar, por exemplo, com a submissão do clero ao poder senhorial na nomeação de reitores e bispos, o conde de Toulouse começou por afastar do seu Conselho todos os eclesiásticos. Deste modo, produz-se a nível institucional uma separação, uma dissociação, entre senhores e Igreja.
Outra característica occitânica é o desenvolvimento mercantil. O comércio, que tinha por base os dois grandes centros de Toulouse e Narbonne, era fruto do crescimento da burguesia nesse arco meridional. O volume de negócios entre Toulouse e Narbonne é considerável. O corredor do Languedoc, compreendido entre o mar e a bacia do Garona, é uma paisagem cheia de caravanas que se afadigam por entregar o mais depressa possível as matérias-primas que acabam de desembarcar em Narbonne e em Montpellier e que se cruzam com os transportes que farão chegar os odres de vinho e os fardos de tecidos de lã aos barcos ancorados nesses mesmos portos. Por este caminho transitam também outras gentes. Forasteiros que há anos tinham trilhado o camí roumieu, quer dizer, o caminho dos peregrinos, que se dirigem, por um lado, a Roma e, por outro, muito mais concorrido, a Compostela. Com a recém-inaugurada prosperidade, estes peregrinos já não são um par de almas que chegavam à Finisterra; cresceram não só em número, mas também em exigências religiosas e de acolhimento. Toulouse era um grande centro de peregrinação que se esforçava, tanto na cidade, como nos arredores, por edificar igrejas, ermidas e hospitals, ou seja, centros de hospedagem para estes viajantes. A partir do século XI, os peregrinos já começavam a ir a Compostela para visitar o sepulcro de Santiago. Inclusive editou-se um guia, El Camiño de Santiago, que aconselhava os viajantes sobre o melhor caminho a seguir a pureza das fontes locais e os costumes, hospedarias ou albergues, dos lugarejos que encontravam pelo caminho». In Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema religiós, pretext politic, Cathari, Ediciones Península, 1995, ISBN 84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento, Perseguição, Extinção, Editora Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.

Cortesia de Pergaminho/JDACT