«(…) Quem ler estes relatos deve
pensar que eu sofria do pecado da preguiça e que a minha vocação se limitava a fugir
aos tempos difíceis. Mas considerai que para uma pessoa se tornar num druida,
tem de se ser instruída durante nove anos,
ao longo dos quais se aprendem duzentas e cinquenta histórias primárias e depois
as cem histórias secundárias. Ainda existem escolas druídicas, embora elas
estejam profundamente ameaçadas pelos padres cristãos. Deus me perdoe, mas eu
não quero ver extintos estes velhos modos de conhecimento, porque acredito que
ainda há valor em reconhecer o espírito na árvore e em perceber como desarmar um
inimigo com palavras. Em vez de ver concorrência entre a capela e o círculo de pedra,
eu vejo uma irmandade. Uma fecha e protege o espírito, o outro expõe-no e junta-o
aos elementos. Nestes dois locais conjuramos os poderes que nos afectam e
transcendem. Lembramo-nos, em ambos os lugares, que precisamos da nossa aveia e
do nosso leite, mas também precisamos daquilo que não conseguimos ver, nem meter
nas nossas tigelas de comida.
Enquanto atirava comida aos porcos
da minha família e coçava os altos que as pulgas me faziam na pele, eu esperava
ser chamada para o conhecimento daquilo que não é visto. Corriam rumores de que
eu já possuía certos poderes, como a habilidade de transformar uma pedra em pó ao
respirar sobre ela certas palavras, apesar de, agora o confesso, nunca ter tido
nada disso. Eu esperava por um dos druidas que assistiam o chefe, para que ele
me tomasse como aprendiz, pois eu já tinha chegado à aimsirtogu (a idade da escolha, aos sete anos para rapazes e
aos catorze para raparigas). Enquanto esperava, distraia-me com os poderes que as
meninas detêm sobre os meninos e que São Patrício e Santo Agostinho consideram ser
os pecados responsáveis pela queda de toda a humanidade. Eu já li e transcrevi as
regras dos nossos bispos que dizem que as mulheres não devem tentar ser atractivas
aos homens, mas devem repudiar as qualidades nelas próprias que causam a perda
da Graça no homem. Faz-me confusão que os homens, que reclamam cada vez mais autoridade
sobre as mulheres, demonstrem tanto medo daquelas a quem chamam fracas. Talvez eles
tenham a esperança de que as mulheres venham a acreditar que precisam de ser protegidas
e dominadas. Mas eu não consigo imaginar a mulher a ser assim tão tola. Questiono-me
sobre a sedução de Adão por Eva. Talvez esta tenha sido não o resultado da fragilidade
moral de Eva, mas sim da sua impaciência e desassossego. Talvez Adão se contentasse
e entretesse mais facilmente do que Eva, que queria mais do que uma vida de criança
num bonito jardim. Eu não quero blasfemar, mas apenas mostrar urna compreensão
das Escrituras com base nos meus próprios defeitos. Desde o tempo do meu primeiro
sangramento de mulher, eu sofro de uma impaciência e desassossego que não consigo
entender ou curar. Frequentemente eu interrogava-me se não pertenceria à Clareira
dos Lunáticos.
Os
rapazes que vinham usar o barco do meu pai elogiavam-me os seios, que eram pequenos
mas bem arredondados. Os rapazes que vinham usar o barco do meu pai queriam tocar
nos meus seios ou fingir mamar. Eu ficava muito confusa com tudo isto até
conhecer Giannon, o Druida, e depois as coisas ditas pelos rapazes que vinham usar
o barco do meu pai pareciam-me desejáveis e convincentes». In Kate Horsley, Confissões de
uma Freira Pagã, tradução de Mariana Pereira, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN
972-860-518-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT