Convite
para ser rei. A escolha de Fernando Augusto de Coburgo
«(…)
Todas as diligências teriam de ser feitas em completo sigilo porque estava em
causa a dignidade da rainha e do país. De facto, seria bem pouco honroso se se
soubesse que se procurava um marido para a monarca portuguesa e que esta
recebia recusas. Tais instruções haviam sido cuidadosamente redigidas pelo
ministro dos Negócios Estrangeiros, o conde de Vila Real! Lavradio dirigiu-se a
Londres e conversou com Palmerston, então ministro dos Negócios Estrangeiros. A
resposta não podia ter sido mais brutal: se a rainha dona Maria II contraísse
casamento com um príncipe Orleães, cessariam todos os tratados de aliança entre
a Inglaterra e Portugal. Sem contemplações, o governo inglês obstava a uma
alteração do equilíbrio político, isto é, a que a França pudesse ter influência
no nosso país, destruindo a tradicional aliança com a Inglaterra que era
contrabalançada por igual e tradicional ligação da Espanha à França. Ora, com a
criação de laços familiares estreitos entre as famílias reinantes de Portugal e
da França, esta ganharia ascendente sobre toda a península.
O
rei dos Franceses, que não desejava criar conflitos com a Inglaterra e porque o
futuro dos reis constitucionais de Portugal era mais do que incerto, não avançou
com a candidatura de um filho, embora em Abril tivesse demonstrado grande
interesse ao embaixador de Portugal, visconde da Carreira. O rei Luís Filipe
chamara-o à parte para lhe falar sobre a morte de Augusto Leuchtenberg,
querendo saber a situação política de Portugal, se a rainha ficara grávida e
opinando sobre a conveniência política do seu recasamento. Fez questão de dizer
que não era verdade que não gostasse do príncipe defunto, mas que não aprovara
o casamento porque não servira à reconciliação de Portugal com as potências que
ainda não reconheciam a dinastia e que tinha lido que a rainha iria casar com
Maximiliano, irmão do defunto marido, sendo esse demasiado novo e não indo
agradar aos soberanos a quem desgostara o anterior casamento. Depois deu
claramente a entender que lhe agradaria a união com um filho seu, mas que isso
iria provocar ciúmes e obstáculos difíceis de transpor. Aliás, em Julho e
Agosto, quando o casamento em França já estava posto de lado, ainda a família Orleães
debatia a questão.
Decerto
para se livrar do problema, Palmerston sugeriu o príncipe de Carignano, parente
do rei da Sardenha (ele próprio Saboia-Carignano) e reconhecido no ano anterior
como herdeiro do trono no caso de extinção da linha reinante. Lavradio nada
sabia sobre ele e procurou informar-se, mas concluiu, e tinha razão, que, com
excepção da idade, o que lhe diziam sobre o príncipe sardo era improvisado.
Procurou informações sobre outros mancebos: o irmão do defunto Augusto,
um filho do arquiduque Carlos da Áustria e o filho segundo do príncipe de
Orange, mas nenhum reunia rodos os predicados
requeridos para esposo de sua majestade e, motivo ainda maior, o negociador
português percebeu que tanto o gabinete inglês como o francês desejavam que
o marido da rainha não fosse nenhum dos príncipes das famílias imperiais ou
reais que reinavam nos principais estados da Europa.
De
facto, em conversa com o ministro português em Inglaterra, e temendo ainda a
hipótese dos Orleães, Palmerston dissera-lhe claramente que eram, pois,
príncipes como estes, das Casas de Vurtemberga ou da
Saxónia-Altenburgo-Hildburghausen, sem conexão alguma com outras potências grandes,
e que se tornariam completamente portugueses, como o príncipe Augusto fora, os
que convinham, e não aqueles que poriam Portugal à cauda dos estados de onde
vinham. Em Julho, dona Maria estava decidida a casar com o príncipe de Carignano,
ordenando a Palmela que mandasse Lavradio tratar do assunto, mas este não o
fez. Nas suas palavras: … continuando
sempre nas minhas indagações, tive notícia de um príncipe que possivelmente
reunia as qualidades exigidas; era o príncipe Fernando Augusto de Saxe-Coburgo,
filho do duque Fernando Jorge de Saxe-Coburgo, irmão segundo do duque reinante
de Saxe-Coburgo. Este príncipe estava para completar dezanove anos e, apesar de
ser da família de Saxe-Coburgo, era católico desde o nascimento; era sobrinho do
rei dos Belgas e de sua Alteza Real a duquesa de Kent, e, portanto, próximo parente
da futura rainha de Inglaterra. Afirmavam-me também que o príncipe era dotado
de talento, recebera uma excelente educação e tanto ele como todos os da sua família
eram amigos do sistema constitucional, o que estava longe de ser verdade. Lavradio
prossegue: … as ilustres alianças da
família Saxe-Coburgo, a plena aprovação dada pelo rei de Inglaterra e pelo seu governo
a esta aliança e a convicção da necessidade absoluta de concluir prontamente a negociação
do casamento induziram-me a adiantá-la e a tomar sobre mim a responsabilidade de
sobrestar na execução das ordens que havia recebido para negociar o casamento com
o príncipe de Carignan. Não tive que me arrepender e tanto a rainha como Palmela
aprovaram plenamente o meu procedimento». In Maria Antónia Lopes, D.
Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN
978-972-42-4894-3.
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