«Tistu é um nome
esquisito, que a gente não acha em nenhum calendário, nem do nosso país nem dos
outros. Não existe um São Tistu.Mas havia, no entanto, um menino a quem todos
chamavam Tistu... E é preciso explicá-lo. Um dia, mal acabava de nascer
e parecia um menino bonito bercinho de vime, fora levado à igreja para ser baptizado.
Um padrinho de chapéu preto e uma madrinha de mangas compridas declararam ao
padre que ele se chamava João Baptista. Nesse dia, como quase todos os
bebés em idênticas circunstâncias, o coitadinho protestou, gritou, ficou
vermelho de chorar. Mas as pessoas grandes, que não compreendem os protestos
dos recém-nascidos e teimam em sustentar as suas ideias pré-fabricadas, garantiram
com a maior firmeza que o menino se chamava mesmo João Baptista.
Mas em seguida, mal a madrinha de
manga comprida e o padrinho de chapéu preto o recolocaram no berço, deu-se um
facto curioso: as pessoas grandes já não conseguiam pronunciar o nome que lhe
haviam dado, e puseram-se a chamá-lo de Tistu. O facto, aliás, não é tão
raro assim. Quantos meninos e meninas foram registados no tabelião ou na igreja
com os nomes de José, Maria ou António, e só são chamados de Jucá, Cotinha ou
Tônico! Isto prova simplesmente que as ideias pré-fabricadas são ideias mal
fabricadas, e que as pessoas grandes não sabem mesmo o nosso nome, como
também não sabem, por mais que o pretendam, de onde foi que viemos, por que
estamos aqui e o que devemos fazer neste mundo.
Esta observação é muito
importante e requer ainda algumas explicações. Se só viemos ao mundo para ser
um dia gente grande, logo as ideias pré-fabricadas se alojam facilmente em
nossa cabeça, à medida que ela aumenta. Essas ideias, pré-fabricadas há muito
tempo, estão todas nos livros. Por isso, se a pessoa se aplica à leitura ou
escuta com atenção os que leram muito, consegue ser bem depressa pessoa importante,
igual a todas as outras. É bom notar que há ideias pré-fabricadas a respeito de
qualquer coisa, o que é bastante prático, permitindo-nos passar facilmente de uma
para outra.
Mas, quando a pessoa veio à terra
com determinada missão, quando fomos encarregados de executar certa tarefa, as
coisas já não são tão fáceis. As ideias pré-fabricadas, que os outros manejam
tão bem, recusam-se a ficar na nossa cabeça: entram por um ouvido e saem pelo
outro, e vão partir-se no chão. Causamos assim muitas surpresas. Primeiro, aos
nossos pais. Depois, a todas as outras pessoas grandes, tão apegadas às suas benditas
ideias! E foi justamente o que aconteceu com o garotinho, a quem chamaram Tistu
sem consultá-lo.
Os cabelos de Tistu
eram louros e crespos na ponta. Como raios de sol que terminassem num pequeno
cacho ao tocar na terra. Tistu tinha grandes olhos azuis e
faces rosadas e macias. Todas as pessoas o beijavam. Porque as pessoas grandes,
sobretudo de nariz grande, rugas na testa e cabelo no ouvido, estão sempre
beijando as criancinhas de face macia e rosada. Eles dizem que as crianças
gostam, e isto é outra das ideias que inventaram. Porque são eles, os grandes, que
gostam, e as crianças de face macia e rosada são muito boazinhas em prestar-se
a isso. Todos os que viam Tistu exclamavam: oh!, que garoto
bonito! Mas Tistu não ficava vaidoso. A beleza lhe parecia uma coisa inteiramente
natural. E até se surpreendia com o facto de todos os homens, todas as mulheres
e todas as crianças não serem como seus pais e ele próprio.
Porque os pais de Tistu,
é bom dizer logo, eram também muito bonitos. Foi de tanto olhá-los que ele se
habituou a pensar que o normal é ser bonito, enquanto o vestir mal de cara, lhe parecia uma excepção e mesmo uma
injustiça. O pai de Tistu, que se chamava Sr. Pai, tinha os cabelos negros
cuidadosamente fixados com brilhantina; era alto e se vestia com aprumo; não se
via grão de poeira na gola do seu casaco, e perfumava-se com água-de-colónia» In
Maurice Druon, O Menino do Polegar Verde, 1957, Editora Caravela, 1987, ISBN
978-972-639-004-6.
Cortesia de Caravela/JDACT