De acordo com o original
«(…) As
lagrimas e os soluços constituiam, no ultimo período da sua vida, um dos
recursos sympathicos á sua maneira de commover. A phrase sahia-lhe sempre chorada
e arrastada. D'ahi, os defeitos de eschola para os discipulos, e para os collegas,
que, de certa forma, também discipulos eram d’elle. Para o imitarem, e para conseguirem
harmonisar com o mestre quando jogavam de scena, tinham de se entregar também a
uma declamação pesada, que não desentoasse do systhema! Os resultados tinham de
ser, e foram, prejudiciaes para os artistas. Ainda hoje no teatro se chora muita
phrase, que devia ser dita simplesmente, por causa do muito que se chorava no palco
n’essa épocha de diálogos soluçados.
Quando
se edificou o theatro de D. Maria II, principiou para Epiphanio a mais acreditada
épocha da sua carreira artistica, a de ensaiador. A direcção de ensaios foi-lhe
confiada, e elle deu prova de acertado gosto nas funções de director de scena, e
nas attribuições que ficavam ao seu cargo, produzindo discipulos e aperfeiçoando
alguns collegas. Foi a primeira vez em Lisboa, que nos cartazes se leu esta innovação
franceza da phrase mise-en-scéne. Os annuncios
especialisavam sempre a direcção e a mise-en-scène
de Epiphanio. Advertia-se d’isto como de um facto novo: e era effectivamente um
facto sem precedente na nossa terra, porque os ensaiadores antigos nunca se deram
ao incommodo de attender á disposição das figuras, á collocação dos grupos, á gesticulação
dos actores.
Não é
fácil suppôr, quem hoje vê os teatros portuguezes no estado de regularidade a que
o tempo e os esforços dos artistas teem alcançado, como corriam d’antes por cá as
coisas theatraes! Não ha cem annos; basta referirmo-nos justamente á épocha em que
Epiphanio, Theodorico, Victorino, etc. principiaram, e em que eram homens quem representava
os papeis de mulher!... O scenario, era uma traquinada tão ridícula e económica,
que, n’uma peça em que a scena figurava um moinho ao fundo, o actor, que era muito
mais alto que a porta, trouxe, ao entrar, o moinho em cima dos hombros! Quando se
chega ao estado de civilisação das artes, não se pensa bem o que foi a scena no
tempo antigo. Em Inglaterra, por exemplo, adoptaram-se por muito tempo expedientes
de illusão, de se morrer de riso. Um comparsa com uma lanterna, um arbusto e um
cão, significava o luar!
Uma circumstancia
curiosa e excêntrica é a teima com que Chateaubriand se obstina a querer provar
nos Ensaios sobre a litteratura ingleza,
que a exactidão do objecto inanimado anuncia a decadência da alta poesia e do verdadeiro
drama, porque, diz elle, contenta-se com as pequenas bellezas, quem não pode atingir
ás grandes: imita-se, a ponto de enganar a vista, os sophás e o velludo, quando
não se chega a poder pintar a physionomia do homem sentado sobre esse velludo e
n’esse sophá! É curiosa esta opinião do grande escriptor da França, de que a verdade
do theatro não precise de exactidão de vestuário e scenario, e que os melhores
monólogos, ou as mais veementes apostrophes da tragedia antiga fariam tanto effeito
lidas por Talma n’uma sala, como recitadas sobre um palco, estando o homem de manto
grego nos hombros!
Nas peças ensaiadas pelo Epiphanio observava-se naturalidade,
e boa combinação nas entradas e na collocação das figuras. Estudava muito as
peças, attendia á marcha da acção, á indole especial de cada caracter, á feição
própria para cada typo, aos gestos e ás maneiras. As peças espectaculosas principiavam
então o pomposo reinado, que durante algum tempo levou a população da capital e
das provincias a assistir á representação do Alcaide de Faro, Templo de Salomão, e Prophecia! Foi nos espectáculos
apparatosos que elle desenvolveu o melhor tacto de ensaiador. Jogar com duzentos
comparsas como com peças de um jogo de xadrez, fazer que não se adiantem e não se
atrazem, dar aos grupos toda a elevação do quadro, ás marchas toda a solemnidade
guerreira, attendendo, na disposição d’aquellas duzentas figuras que enchem o
palco, ao efeito d’optica que melhor possam produzir, eis o que Epiphanio fez como
ninguém o fizera, e como ninguém o faz por emquanto!» In Júlio César
Machado, Os Teatros de Lisboa, Ilustrações de Bordalo Pinheiro, Livraria
Editora Mattos Moreira, 1874, PN 2796 L5M25, Library Mar 1968, University of
Toronto.
Cortesia de LEMMoreira/1874/Bordalo Pinheiro/JDACT