Resumo
«Este trabalho tem como objecto de estudo a investigação da
poética de Fiama Hasse Pais Brandão buscando entender o que é fala
perfeita para a autora. Analisamos minuciosamente o poema Teoria da
Realidade, tratando-a por tu,
que é toda uma poética, e o relacionamos com a sua obra, demonstrando assim uma
coerência em seu projecto poético. O poema analisado faz parte da série Poéticas, do livro Cenas
Vivas de 2000. Nesse poema há um desdobramento do sujeito poético que
persegue a sua voz desde seus balbúcios. Podemos dizer que o sujeito da
enunciação nos conta como a sua voz poética apareceu, desenvolveu, adquiriu a fala
perfeita e a ofereceu aos leitores. Desde a publicação de Morfismos, em 1961,
que a autora preocupou-se em resgatar a língua da estreiteza de seu uso comum e
em dar autonomia à linguagem, buscando o que chamou de poesia / substantivo,
assim se filiando à tradição da modernidade e especificamente a Mallarmé. Os seus
poemas são testemunhos de tudo o que foi escrito e lido por ela, desde as
grandes epopeias e a Bíblia, à tradição anglo-germânica, aos grandes poetas
americanos e à tradição portuguesa. Fizemos um percurso em sua obra perseguindo
poemas que são poéticas, ou seja, que o tema é a própria poesia para descobrir
como se dá a visão e o conhecimento que Fiama tem do real e do poético.
Constatamos que fez uma opção pela realidade. A matéria poética de Fiama
pertence à terra, há uma preocupação em desvendar o real. Podemos constatar
essas questões, a partir da nossa leitura dos poemas de Obra Breve, Poesia
Reunida. Selecionamos um percurso poético que desaguou em Teoria da
Realidade tratando-a por tu, o que
nos mostrou a intimidade que adquiriu com a realidade, além de nos revelar como
sua voz poética desabrochou».
«Tu,
realidade, és nome de ti e do que os poetas fundam, depois de terem a fala perfeita» In Fiama Hasse Pais Brandão
«A fala perfeita é uma expressão
retirada do poema Teoria da Realidade:
tratando-a por tu, que foi publicado em Cenas Vivas (2000).
Faremos uma análise minuciosa dele para compreendermos como se dá a fala
perfeita da voz da enunciação de Fiama Hasse Pais Brandão e qual
é sua relação com a realidade. Temos a consciência que esse poema produz
múltiplos diálogos com sua obra e com a de outros poetas. Mostra-nos a
coerência do percurso poético desenvolvido pela Autora como um todo, desde a
publicação de Morfismos, em 1961. Fiama, em sua trajetória poética,
principia pela palavra condensada, pela palavra substantivo. Amplia o sentido
convencional da palavra, na esteira de Mallarmé. Acentua essa passagem de autor
em autor. Como ela pronunciou em 1961: A
forma poética é a destruição do hábito linguístico. Na sua poética,
percebemos, e ela mesma se pronuncia em relação às vivências de sua vida, que
há a experiência da leitura-convívio,
ou seja, além das vivências da sua vida, há a experiência da leitura profunda, a
que ela denomina leitura-convívio.
Aquiesceu perante ela mesma que vivia como Eu lírico e o enreda em outros autores
poetas, transformando os seus poemas numa via de mão dupla: dos poetas para ela
e dela para os poetas. Lápide e versão
indistintamente. O anterior ou é uma lápide (tudo está aí, fixo) ou, então,
uma versão, uma interpretação, em mim, para sempre. Assim, confesso: eu escrevo
como os poetas, e com os Poetas, escreve a autora em A minha poesia e referências literárias. O que não a impede de
clamar: Flosa, mãe, mar, em que versos/
somente sois as palavras minhas? Percorre um caminho singular, relaciona a
realidade empírica com a realidade do poema, não perde esse referencial: o
poema é realidade também. Dito de outra forma: Esse modo hipotético de estar
entre a realidade do mundo e a realidade do poema. Ou ainda: Fiama: está entre a palavra e as coisas,
como escreveu Eduardo Lourenço no prefácio à sua Obra Breve. A partir dessa reflexão, podemos dizer que os textos
se dobram sobre si mesmos, fazendo do exercício da escrita o objecto de
reflexão, nas palavras de Jorge Fernandes Silveira […]
«Este
tecido encadeia-me. Eu estou atenta
ao tecido
da minha vida. (...)
O
contexto que de novo amanhece
é o que
me contém. Confirmo que o amanhecer
é já um
conflito antigo e ordenado, e que eu posso ser
personagem existente».
In Fiama Brandão
Contexto histórico-literário da
obra de Fiama Hasse Pais Brandão
Podemos falar em contexto do poeta
enquanto autor e leitor de outros escritores situado num determinado momento
literário e social, capaz de filtrar ou rejeitar as vivências espaço-temporal.
Por isso, escreveremos uma breve apresentação da autora. Em quase toda a obra
de Fiama Brandão (1938-2007), as estações, a luz, as
mudanças nas árvores e flores, os pássaros relembram a quinta em que morou na infância
e depois na maturidade, Vivenda Azul,
com o tanque, os caramanchões, a vasta gaiola contendo dezenas de periquitos, o
lago com os peixes, os azulejos do terraço, em meio ao pomar, ovelhas, flores,
perto do mar, em Carcavelos, Cascais, distrito de Lisboa. A formação escolar e
universitária despertou, em Fiama, um conhecimento das literaturas inglesas
e norte-americanas e, mais tarde, da literatura germânica. Estudou no St.
Julian's School, colégio inglês, de elite, em Carcavelos, o que lhe deu uma
base para os estudos de língua e literatura inglesa. Frequentou o curso de
Filologia Germânica na Universidade de Lisboa, até ao terceiro ano, onde se
familiarizou com as letras de língua alemã. Traduziu Robert Lowell e Novalis;
Brecht, enquanto ainda estava proibido durante o governo salazarista; Cântico
dos Cânticos, Artaud, entre outros. O teatro esteve presente em sua
formação como escritora, pois foi uma das fundadoras do Grupo de Teatro de
Letras, junto com Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, José Silva Louro e outros. Em 1965, o grupo surgiu na sequência do
Círculo de Teatro de Letras, uma tentativa encoberta de criar uma associação de
estudantes na faculdade, durante o Estado Novo, quando estas eram proibidas.
Escreveu, por exemplo, Os chapéus de
chuva, censurada, depois publicada em 1961. Ganhou o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de
escritores, por essa peça de teatro. A experiência no teatro lhe deu um olhar cénico, que visivelmente se manifesta
nos livros Área Branca e Cenas Vivas» In Vivian Steinberg, A fala
perfeita. Fiama H. P. Brandão, Um diálogo íntimo com a realidade, Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas, Tese de doutoramento em Letras, Programa de pós-graduação em
Literatura Portuguesa, 2011, S. Paulo.
Cortesia
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