quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Isabel I. O Anoitecer de um Reinado. Margaret George. «Resmungando, voltou a cuidar de sua tarefa: preparar o farol. Havia encontrado um dólmen abandonado no cume do pico, um monumento antigo, e carregava galhos, palha e gravetos para lá há dias»

Cortesia de wikipedia e jdact

Vaticano. Março de 1588
«Felice Peretti, também conhecido como papa Sisto V, observava de perto a pilha de bulas. Estavam todas bem enroladas e organizadas como lenha para fogueira, algumas maiores, outras menores e todas com os selos pendurados como se fossem caudas de cachorrinhos. Ah, disse ele com olhar de satisfação. Elas pareciam irradiar poder, no entanto, faltava-lhes algo: a bênção papal. Levantou a mão direita e disse em alto e bom latim: Ó Deus soberano, ouça a prece de teu servo Sisto. De acordo com a função a mim conferida de vigário de Cristo, teu representante na Terra, com o poder de ligar e desligar / permitir e proibir, de perdoar os pecados ou negar o perdão, condeno a inglesa malévola, a falsa rainha. Ela está, por meio desta bênção, excomungada do mundo cristão até que se arrependa. Os que estão sob seu comando não serão condenados como ela, abençoamos a nau Empreitada da Inglaterra. A bordo dos navios da grande Armada vão essas bulas de excomunhão e a sentença de Elizabeth, a rainha impostora da Inglaterra, pedindo a sua deposição, a fim de que seus súbditos possam ser salvos de sua impiedade e do seu governo perverso. Eles verão a luz da alegria assim que os vingadores de Cristo puserem os pés em solo inglês. Lá, serão distribuídas aos fiéis. Deus piedoso, pedimos isso em nome do salvador e pela santa Igreja. O papa, aos sessenta e oito anos de idade, circundou a pilha lentamente, fazendo o sinal da cruz e aspergindo água benta. Depois, acenou com a cabeça, chamando o mensageiro espanhol que aguardava em silêncio. Pode levá-las agora, disse. A Armada parte de Lisboa, não é? Sim, Santidade. No mês que vem. Sisto fez um gesto de aprovação com a cabeça e falou: Elas devem chegar a tempo, então. Tem tubos à prova d’água para levá-las? Tenho certeza de que serão providenciados. O rei Filipe pensa em tudo.

Costa Sul, Inglaterra. Abril de 1588
O velho ermitão saiu lentamente de dentro de seu abrigo, como fazia todas as manhãs. Construiu um refúgio sobre as ruínas da capela de São Miguel, incrustado próximo ao pico da ponta saliente do promontório, estendendo-se até a baía de Plymouth Sound. Ele estava em pé na beira do penhasco, o mar agitava-se longe lá em baixo e ele olhava de um lado para o outro, procurando pelos navios. O sol da manhã, reflectindo sobre a água, dificultava a visão. Fechou um pouco os olhos, protegendo-os com a mão, tentando ver algo que parecesse uma vela de navio no horizonte. Nada. Hoje ainda não seria o dia. Resmungando, voltou a cuidar de sua tarefa: preparar o farol. Havia encontrado um dólmen abandonado no cume do pico, um monumento antigo, e carregava galhos, palha e gravetos para lá há dias. A fogueira que brilharia do alto da montanha em forma de cone tinha que ficar visível a quilómetros de distância, até o próximo farol. E provavelmente aquele seria o primeiro. Se a Armada conseguisse ser avistada de algum lugar, aquele seria o primeiro. E ele, o ermitão da capela de São Miguel, ficaria de sentinela enquanto ainda houvesse um raio de luz por lá. Fez um afago no dólmen. Coisas pagãs. Feitas há muito tempo por pessoas que já haviam partido. Mas quem se importava se fosse ajudar na luta contra o inimigo espanhol?

Torre de Londres. Maio de 1588
Quieto!, disse Philip Howard ao padre. Alguém está vindo. O guarda estava fazendo a ronda. Os passos no chão de pedras do lado de fora eram o som que Philip ouvia até mesmo em seus sonhos. Abaixou a cabeça, apoiando-a nos joelhos, e relaxou os braços. Tinha que fingir que estava dormindo. O padre fez o mesmo, usando o seu manto como cobertor. Os outros na sala ficaram em silêncio, petrificados. Os passos cessaram; a tranca na porta de ferro dos prisioneiros foi aberta. Depois, trancada novamente e os passos continuaram. Philip permaneceu parado por mais alguns minutos por questão de segurança. Finalmente sussurrou: ele já se foi. Não fará novas rondas por duas ou três horas. Vamos começar. Vamos começar o trabalho de Deus. Os outros prisioneiros da cela movimentaram-se. O padre tirou o manto que cobria a cabeça. Em nome da Santa Madre Igreja, disse, celebrarei esta missa. Philip balançou a cabeça de forma negativa e falou: deve ser dedicada a outra intenção; eu não era um traidor até que tentaram me transformar num; agora, preso por cinco anos aqui na Torre, vi pessoalmente a maldade da rainha e da sua suposta igreja». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.

Cortesia de GeraçãoE/JDACT