quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Botequim da Poesia. Alberto Caeiro. «O meu olhar azul como o céu calmo como a água ao sol. É assim, azul e calmo, porque não interroga nem se espanta... Se eu interrogasse e me espantasse não nasciam flores novas nos prados»

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O Guardador de rebanhos
[…]
«Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
e espreita para o calor dos campos com a cara toda,
às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
na cara dos meus sentidos,
e eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
não sei bem como nem o quê...

Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

Quando o Verão me passa pela cara
a mão leve e quente da sua brisa,
só tenho que sentir agrado porque é brisa
ou que sentir desagrado porque é quente,
e de qualquer maneira que eu o sinta,
assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...

O meu olhar azul como o céu
calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
porque não interroga nem se espanta...

Se eu interrogasse e me espantasse
não nasciam flores novas nos prados
nem mudaria qualquer coisa no sol de modo a ele ficar mais belo…
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
e se o sol mudasse para mais belo,
eu sentiria menos flores no prado
e achava mais feio o sol...
Porque tudo é como é e assim é que é,
e eu aceito, e nem agradeço,
para não parecer que penso nisso...)


O que nós vemos das coisas são as coisas.
Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Porque é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,
saber ver sem estar a pensar,
saber ver quando se vê,
e nem pensar quando se vê
nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!)',
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem de desaprender
e uma sequestração na liberdade daquele convento
de que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
e as flores as penitentes convictas de um só dia,
mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores».
[…]
Parte do Poema de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), in ‘Poesias
ISBN 978-972-617-195-9

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