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A Sempre-Noiva. Política
matrimonial e Diplomacia paralela
«(…) De 1571 temos a descrição que João Baptista Venturino
fez da visita de Miguel Bonello, o cardeal Alexandrino: tendo anoitecido acompanhados com vinte tochas adiante fomos ao palácio
da infanta dona Maria, irmã de João III, a qual, tendo ficado órfã em tenra
idade, não quis jamais casar, posto que fosse robusta, formosa e procurada. Era
alta, e teria de idade cinquenta anos, posto que não pareça à primeira vista.
Dizem que é a princesa mais rica da cristandade, possuindo inumeráveis jóias e
milhão e meio de bens patrimoniais, que gasta com os pobres. Estava vestida a
princesa com um vestido afogado de veludo preto com orla de ouro no colarinho
coifa de rede de ouro na cabeça, e uma coroa no braço, de rubis e diamantes,
que avaliámos em trezentos mil escudos. Esperava em pé pelo Legado, num
aposento forrado de panos de Flandres de seda e ouro, debaixo de um dossel de
brocado. Ajoelhou ao entrar de s. exma e levantando-se veio recebê-lo à porta
do quarto. Depois assentou-se no chão debaixo do dossel, e o Legado defronte
dela en numa cadeira de quatro damas, e três donzelas não menos honestas que
formosas e semelhantes às três Graças, duas vestidas de veludo preto, e a do
meio de damasco branco, e todas cobertas de jóias tanto no pescoço como nas mangas
com coifas de fio de ouro que lhe chegavam só a meio da cabeça, e os cabelos
bem assentados na frente, algum tanto crespos mas não entraçados. Depois de
urna curta conversação, o Legado voltou ao palácio. Em 1575 a embaixada do
rei do Hidalcão recebe, também, oferendas das mãos da Infanta: voltou para a India nas nàos do anno
seguinte com grandes dadivas delRey, rainha, e infanta dona Maria.
Não se tratava de meras visitas de cortesia, mas de
verdadeiros actos de Estado. Assim, no dia 20 de Janeiro de 1568, ela foi
presença essencial da cerimónia dos Estaus, quando o governo é entregue
ao Sebastião: feito isto chegou-se a
Rainha sua avò, e beijou lhe a maõ, o mesmo fez a Infante dona Maria, o
cardeal, e o Senhor Duarte, seus tios, o qual assistio com o Estoque, como condestavel
môr do Reyno. Contudo, as suas relações com o jovem rei não foram as
melhores. Dona Maria não casara, porque Fernando se fora recusando a contrair matrimónio
no interesse dos seus filhos e, entretanto, falecera em 1564, assim perdendo
poder negocial; e o estalar da crise de 1569 conduziu ao seu afastamento
voluntário da cena política (parece-nos que este afastamento se deu apenas ao
nível dos órgãos de poder, pois a Infanta continua a dar provas de um
verdadeiro objectivo político que se manifesta, nomeadamente, na fundação de
uma nova paróquia na cidade extra-muros, com a desanexação de parte da
freguesia de Santo Estevão de Alfama). A sua morte em 1577, dez meses antes da cruzada de
Alcácer-Quibir, não sem antes, segundo os cronistas, ter anunciado o desastre,
afastou qualquer futura possibilidade de vir a herdar o trono português. Assim,
não admira que não lhe restasse mais do que, refugiando-se no passado, deixar
por testamento instituídos por herdeiros universais, as almas delRey [seu] pay, e da Raynha [sua] mãy.
A Sereníssima Infanta Dona Maria. A sua casa e fortuna
Iffante de Portugal e
dos Algarves (convento de São bento de Santarém), Senhora de Torres Vedras
e Viseu, soberana do senescalado de Agenois na Gasconha e do de Ruag, bem como
dos rios, ribeiras e senhorios de Verdum e Algiboens no Languedoc,
para além das baixella
douro, Prata, joias, pedras preciosas, tapeçarias, douro, e seda, e outros
enxovaes, era a imponente lista de títulos e riquezas de dona Maria.
Não admira que lhes correspondesse um estado e um
modo de vida igualmente imponente. A história dos palácios quinhentistas portugueses
é-nos, ainda, desconhecida. Sabemos, através de relatos posteriores, nos quais
se insere a reacção de desagrado de Filipe I ao conhecer os paços reais da Ribeira,
que estes não seriam tão sumptuosos e dignos de memória como poderíamos
desejar. A inexistência de fontes que os mencionem e/ou descrevam é, talvez,
sintoma dessa decadência. Das casas
habitadas pela Infanta temos, pois, poucass notícias. Sabemos que viveu com a família
real, na Ribeira, até atingir os 16 anos, altura em que o rei decide separar a
sua morada, criados e serviços da casa real dando-lhe os paços velhos da
Alcáçova para nova residência. Existem, depois, duas referências e palácios de
dona Maria: em Santa Clara e em Santos-o-Novo (no dia 18 de Julho de 1577 dona
Maria assina o testamento no seu palácio, que entonces era cerca del Conuento
de Santos el nueblo, 1675; a memória dos paços da infanta dona Maria perdeu-se
rapidamente, nomeadamente no que diz respeito ao local onde faleceu; Barbosa
Machado escreveu que dona Maria morreu nos paços da Alcáçova, 1736-1751; já Júlio
Castilho discordava, lembrando que a Infanta tinha opulenta casa em Santa Clara,
1935)». In Carla Alferes Pinto, A Infanta Dona Maria de Portugal, o
Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN
972-9440-90-5.
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