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Necessidade
e limites da prospectiva
«(…) Tanto do ponto de vista
epistemológico como prático, quando falamos do futuro referimo-nos sempre a uma
concreta dimensão do presente. Para falar com propriedade, o futuro não existe:
o futuro é sempre o futuro de algo, cuja evolução se pode adivinhar por
meio de paralelismos, regularidades e influências. O futuro só é cognoscível e
projectável naquilo que tem de passado e de presente, isto é, naquilo que é
menos futuro. A questão está em saber se, a partir do que sabemos hoje, podemos
saber alguma coisa acerca de amanhã, ou seja, passar do diagnóstico ao
prognóstico. A principal tarefa da prospectiva não é extrapolar tendências, é
expandir espaços de possibilidade. Em última instância não existe adivinhação
do futuro, porque só se pode conhecer o presente; trata-se de detectar o mais
cedo possível aquilo que começa a acontecer. É o que Igor Ansoff, o descobridor
dos chamados sinais fracos, designou por conhecimento precoce. Os
métodos interpretativos teriam por função gerir esse não-saber que se exprime debilmente
e com pouca clareza. A prospectiva é fundamentalmente um instrumento para o
diagnóstico do presente das sociedades. A sua tarefa consiste em ajustar os
instrumentos para perceber as oportunidades reais, esses futuros latentes que
estão ocultos nas redes de interdependências que se desenrolam com os processos
que pomos em marcha. Embora nunca possamos predizer com exactidão o futuro humano,
esse trabalho terá sempre sentido para a indagação das nossas possibilidades
reais de abrir espaços de jogo à configuração institucional do futuro
desejável.
A terceira característica da
prospectiva é o seu carácter de conhecimento prático. A prospectiva tem
no seu seio uma intenção de orientar as acções de acordo com a ideia que se
tiver de qual é o futuro desejável. O prognóstico é a continuação do
diagnóstico no futuro, e a intervenção é a sua consequência operativa. A tarefa
actual da prospectiva não é tanto o conhecimento do futuro como à reflexão e o aconselhamento
que possibilitem a escolha num espectro de opções e preferências, chamando a
atenção para os seus potenciais efeitos associados. Os prognósticos mais interessantes
são os que nos dizem alguma coisa sobre processos que de algum modo sejam
configuráveis activamente ou em relação com os quais se possa ao menos reagir
passivamente e desenvolver atitudes antecipatórias. Em todos os prognósticos há
um elemento de aposta, um elemento que não é plenamente formalizáve1 ou
traduzível em termos científicos. É por esta razão que pode sempre haver um uso
ideológico do futuro: o sentido dos prognósticos, principalmente nos âmbitos da
economia e da política, não consiste na descrição do futuro, mas em controlar
um determinado comportamento mediante o apelo ao futuro. O futuro funciona como
uma autoridade que não pode ser contrariada, pois ninguém se vai opor à
necessidade. Os futurólogos e os investigadores de tendências pronunciam
frequentemente os seus prognósticos com tons admonitórios.
Os prognósticos têm a mesma função
que os oráculos: o decisivo não é se eles acertam, é legitimar determinadas
decisões. Os prognósticos têm carácter normativo: dissuadir ou mobilizar, às
vezes até por meio de uma advertência de sanção que está implícita na
advertência. A investigação de tendências pode servir para pôr o futuro ao seu
serviço, para o instrumentalizar, como têm feito todas as ideologias. Atendendo
precisamente a este carácter prático, mais de intervenção sobre a realidade do
que de mero reflexo, Mertolt falou das profecias que se realizam e das que se
destroem a si próprias, isto é, em que os agentes se comportam de uma certa
maneira em função precisamente daquilo que foi prognosticado. São prognoses que
dependem de um contexto, que se modifica no lapso de tempo anterior à realização
ou ao desmentido do que foi prognosticado, de maneira que a modificação desse
contexto não teria acontecido se o prognóstico não se realizasse. Um dos
exemplos mais conhecidos de prognósticos que se destroem a si próprios foi o
relatório do Clube de Roma de 1972. As consequências prognosticadas não se
produziram, em parte por efeito das modificações políticas e económicas
induzidas pela sua publicação. Foram bons ou não este e outros prognósticos com
efeitos semelhantes? Do ponto de vista da objectividade científica, não foram
bons, pois as suas previsões não se verificaram. Do ponto de vista das melhorias
sociais que propiciaram, poderia dizer-se que foram bons prognósticos. Tiveram
a sorte de alguém os ter feito gorar». In
Daniel Innerarity, El Futuro y sus
inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN
978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT