quinta-feira, 3 de março de 2016

O Futuro e os seus Inimigos. Daniel Innerarity. «Os prognósticos têm a mesma função que os oráculos: o decisivo não é se eles acertam, é legitimar determinadas decisões. Os prognósticos têm carácter normativo: dissuadir ou mobilizar…»

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Necessidade e limites da prospectiva
«(…) Tanto do ponto de vista epistemológico como prático, quando falamos do futuro referimo-nos sempre a uma concreta dimensão do presente. Para falar com propriedade, o futuro não existe: o futuro é sempre o futuro de algo, cuja evolução se pode adivinhar por meio de paralelismos, regularidades e influências. O futuro só é cognoscível e projectável naquilo que tem de passado e de presente, isto é, naquilo que é menos futuro. A questão está em saber se, a partir do que sabemos hoje, podemos saber alguma coisa acerca de amanhã, ou seja, passar do diagnóstico ao prognóstico. A principal tarefa da prospectiva não é extrapolar tendências, é expandir espaços de possibilidade. Em última instância não existe adivinhação do futuro, porque só se pode conhecer o presente; trata-se de detectar o mais cedo possível aquilo que começa a acontecer. É o que Igor Ansoff, o descobridor dos chamados sinais fracos, designou por conhecimento precoce. Os métodos interpretativos teriam por função gerir esse não-saber que se exprime debilmente e com pouca clareza. A prospectiva é fundamentalmente um instrumento para o diagnóstico do presente das sociedades. A sua tarefa consiste em ajustar os instrumentos para perceber as oportunidades reais, esses futuros latentes que estão ocultos nas redes de interdependências que se desenrolam com os processos que pomos em marcha. Embora nunca possamos predizer com exactidão o futuro humano, esse trabalho terá sempre sentido para a indagação das nossas possibilidades reais de abrir espaços de jogo à configuração institucional do futuro desejável.
A terceira característica da prospectiva é o seu carácter de conhecimento prático. A prospectiva tem no seu seio uma intenção de orientar as acções de acordo com a ideia que se tiver de qual é o futuro desejável. O prognóstico é a continuação do diagnóstico no futuro, e a intervenção é a sua consequência operativa. A tarefa actual da prospectiva não é tanto o conhecimento do futuro como à reflexão e o aconselhamento que possibilitem a escolha num espectro de opções e preferências, chamando a atenção para os seus potenciais efeitos associados. Os prognósticos mais interessantes são os que nos dizem alguma coisa sobre processos que de algum modo sejam configuráveis activamente ou em relação com os quais se possa ao menos reagir passivamente e desenvolver atitudes antecipatórias. Em todos os prognósticos há um elemento de aposta, um elemento que não é plenamente formalizáve1 ou traduzível em termos científicos. É por esta razão que pode sempre haver um uso ideológico do futuro: o sentido dos prognósticos, principalmente nos âmbitos da economia e da política, não consiste na descrição do futuro, mas em controlar um determinado comportamento mediante o apelo ao futuro. O futuro funciona como uma autoridade que não pode ser contrariada, pois ninguém se vai opor à necessidade. Os futurólogos e os investigadores de tendências pronunciam frequentemente os seus prognósticos com tons admonitórios.
Os prognósticos têm a mesma função que os oráculos: o decisivo não é se eles acertam, é legitimar determinadas decisões. Os prognósticos têm carácter normativo: dissuadir ou mobilizar, às vezes até por meio de uma advertência de sanção que está implícita na advertência. A investigação de tendências pode servir para pôr o futuro ao seu serviço, para o instrumentalizar, como têm feito todas as ideologias. Atendendo precisamente a este carácter prático, mais de intervenção sobre a realidade do que de mero reflexo, Mertolt falou das profecias que se realizam e das que se destroem a si próprias, isto é, em que os agentes se comportam de uma certa maneira em função precisamente daquilo que foi prognosticado. São prognoses que dependem de um contexto, que se modifica no lapso de tempo anterior à realização ou ao desmentido do que foi prognosticado, de maneira que a modificação desse contexto não teria acontecido se o prognóstico não se realizasse. Um dos exemplos mais conhecidos de prognósticos que se destroem a si próprios foi o relatório do Clube de Roma de 1972. As consequências prognosticadas não se produziram, em parte por efeito das modificações políticas e económicas induzidas pela sua publicação. Foram bons ou não este e outros prognósticos com efeitos semelhantes? Do ponto de vista da objectividade científica, não foram bons, pois as suas previsões não se verificaram. Do ponto de vista das melhorias sociais que propiciaram, poderia dizer-se que foram bons prognósticos. Tiveram a sorte de alguém os ter feito gorar». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT