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de wikipedia e jdact
Estudo
hermenêutico e crítico
«(…)
Trata-se, porém, em geral, quer em relação à obra como literária quer em
relação ao pensamento que veicula, de trabalhos parcelares ou de feição
introdutória e timidamente iniciática, e mais com carácter de ensaio que de
estudo científico. Diferente é, contudo, o que se passa com os dois últimos
autores referidos. Eles têm o particular mérito de terem realizado aturada
investigação em ordem a escreverem sobre Pascoaes as suas dissertações de
doutoramento. O primeiro, ao estudar o que justamente considerou como fundamental
contribuição para o estudo da sua personalidade e para a leitura crítica da
sua obra, prestou um valioso serviço a ser tido em conta como preliminar a
todo e qualquer estudo que posteriormente se faça sobre este autor. A segunda,
por sua vez, ao estudar o que considera a estética da saudade na obra do
nosso escritor, conceito que, a nosso ver, permanece, todavia no seu estudo
vagamente definido, tem o mérito de ter realizado, com preocupação de rigor
científico, uma primeira abordagem global dessa obra enquanto obra literária. Apesar
de insistentemente reclamado por diversos críticos, estava ainda por fazer um
primeiro estudo global, também com preocupação de cientificidade, sobre o
pensamento pascoaesiano. E era mesmo esse, na sequência lógica dos estudos
globais com esse carácter, aquele que agora se impunha. A nosso ver, qualquer
futuro estudo de aspectos particulares ou de sectores parcelares desse
pensamento, bem como qualquer tentativa de novos aprofundamentos e
esclarecimentos, e ainda a própria leitura de textos de Pascoaes, só terão a
ganhar com a sua compreensão a partir de uma visão panorâmica e integradora do
mesmo, que lhe sirva como quadro orgânico de referência, permitindo integrar
mais fácil e rigorosamente os aspectos e os temas particulares na sua posição,
dependência e função relativas no interior do pensamento global, e os
aprofundamentos ou a simples leitura ou releitura de textos, numa primeira base
de compreensão englobante. Na série dos estudos sobre a obra de pensamento do poeta
amarantino, faltava pois uma primeira síntese ou suma interpretativa e
expositiva suficientemente aprofundada e rigorosa que, além do mais, a
revelasse como sendo de facto uma obra. Faltava identificar as grandes
intuições determinantes, a corrente vital de fundo e as linhas de força que o
atravessam, evidenciar a sua unidade e coerência fundamentais, na pluralidade
das suas expressões escritas e na dinâmica da sua construção, integrar na sua
unidade orgânica as partes que o constituem, enfim, abrir a compreensibilidade
de múltiplos passos da sua expressão escrita aparentemente incompreensíveis. Foi
a essa tarefa que nos abalançámos. Não temos certamente a pretensão de esgotar,
nem de longe, a múltipla problemática nem a compreensão de uma obra tão densa,
complexa e rica de significações. Estamos perfeitamente conscientes de que, sem
embargo para o contributo, que julgamos positivo, para essa compreensão, o
nosso estudo, mais do que trazer respostas últimas e definitivas, poderá servir
sobretudo para levantar novos problemas, bem como para deixar sugestões e abrir
perspectivas para renovadas pesquisas e ulteriores aprofundamentos. De resto, a
própria obra em si mesma, em boa parte, mais levanta problemas e abre
perspectivas do que aporta soluções, ao mesmo tempo que, na linha do trabalho
hermenêutico, se oferece como riquíssimo tesouro textual, a convidar a sempre novos
desvelamentos do sentido. Em boa verdade, a própria natureza deste trabalho
impõe os seus limites. Com efeito, se, por um lado, o objectivo formal de uma
exposição identificadora, ordenadora, integradora e sistematizadora das grandes
linhas da obra de pensamento de Teixeira de Pascoaes se revela importante, e
tanto mais quanto é certo que a sua geral ausência de discursividade lógica
interna e a quase total ausência de ordem e sistematicidade expositivas nos
textos que o veiculam dificultam grandemente a sua compreensão integrada, por
outro lado, não podemos perder de vista que a extensão, a profundeza e a
densidade do conjunto dos textos são de tal ordem que inviabilizam qualquer
projecto de interpretação ainda que só tendencialmente exaustiva. Embora com a
consciência de que as grandes obras padecem violência, como o reino dos
Céus, e só os violentos as arrebatam até ao fundo, como desta escreveu João
Maia, teremos assim necessidade de moderar a nossa violência hermenêutica, para
nos movermos entre uma medida razoável de interpretação desveladora de sentido
e uma programática preocupação de sistematização e síntese expositivas. Nesse
sentido, este estudo constituir-se-á essencialmente como uma introdução e uma
iniciação ao pensamento de Teixeira de Pascoaes, ainda que com dimensão mais
ampla, científica e completa que as que o precederam». In Jorge Coutinho, O Pensamento
de Teixeira de Pascoaes, Estudo hermenêutico e crítico, Dissertação de
Doutoramento em Filosofia, Braga, UC Portuguesa, 1994.
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