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As
Montanhas Negras do Alto Languedoc. Verão de 1207
«(…)
Sobrinha?, Chretien inclinou-se na sua direcção, um olhar de preocupação no seu
rosto. O que tens? Bridget forçou-se a sorrir. Como poderia ela explicar que o seu
corpo estava a vibrar de desejo de estar no lugar da noiva nessa noite? Estou esmagada
com toda esta abundância, disse ela, e muito cansada. Já passa da hora de ir em
busca da minha enxerga. Não, terminem o vosso vinho. Eu gostava de ter um
pequeno momento a sós, antes de dormir. Pressionou-lhe ligeiramente o braço e afastou-se
do sagaz escrutínio do seu tio. Lá fora, o morno ar da noite transportava o perfume
do carvão quente e da carne a cozinhar nos braseiros que ardiam no pátio. O som
do alaúde e da flauta, o bater dos tamborins, seguiam implacavelmente Bridget, ricocheteando
nas suas virilhas em regulares ondas de desejo. Ela parou para encostar a testa
contra a pedra fria das paredes do castelo e respirou profundamente, procurando
acalmar-se. Bridget? Bridget, minha querida? Ela olhou para cima para ver uma mulher
alta que se aproximava rapidamente.
Geralda?
Bridget deu um passo em frente e foi envolvida num forte abraço maternal. Acabei
de ver Chretien e Matthias no salão e eles disseram-me que te encontraria aqui
fora. Deixa-me olhar para ti! Ainda agarrando Bridget pelos ombros, Geralda de
Lavaur examinou-a atentamente. Tão parecida com a tua mãe. Lágrimas brilhavam nos
seus escuros olhos de avelã - Chretien contou-me que a mataram. Tenho tanta pena.
Ela está junto da Luz. Bridget pestanejou com os olhos igualmente cheios de lágrimas.
Foi apanhada por uns frades pregadores a curar uma mulher doente numa das aldeias
da montanha. E foi torturada. A sua voz quebrou-se. Sinto tanto a sua falta. O abraço
de Geralda fechou-se novamente em sua volta e Bridget estremeceu e deu livre expressão
a uma tempestade de dor e lágrimas, enquanto Geralda a abraçava e confortava
como a uma criança. Finalmente, recompondo-se, Bridget fez um esforço determinado
e afastou-se.
O meu
tio contou-lhe que íamos a caminho de Lavaur, ao seu encontro? Disse, sim, e são
muito bem-vindos. Tenho alguns novos manuscritos que quero que Matthias veja. O
povo quererá ouvir Chretien e procurar as tuas curas. Os frades não ousarão interferir
comigo! Os seus olhos reluziam de ferocidade. Bridget sabia que Geralda tinha todas
as razões para estar confiante. O seu irmão, Aimery, era um dos mais importantes
guerreiros no sul. Todas as razões, e, no entanto, a bruxuleante luz das tochas
pintou negros buracos sob as maçãs do rosto de Geralda, e aprofundou-lhe as órbitas
de sombra, até a sua face se transformar numa caveira. A tremer, Bridget
começou a caminhar na direcção do pequeno abrigo que ela e os seus guardiães tinham
montado encostado às muralhas junto do portão principal. A sua sensação de mau agouro
aumentou quando ela e Geralda passaram a casa do poço. Por um momento, Bridget soube
que, se o permitisse, a visão viria com horrível claridade para lhe mostrar o
que ela não desejava ver. Fechou a sua mente, expulsando a premonição, apagando-a
da existência. Como forma de distracção, interrogou a amiga a respeito do casamento.
Geralda
não podia estar mais desejosa de a satisfazer. Eu conheço o Raoul desde que era
criança de colo, disse ela calorosamente. É meu afilhado, sabes? Ou era, quando
eu pertencia à igreja de Roma. Ele e Claire estão prometidos desde que eram pequenos.
Parecem feitos um para o outro, não parecem? Bridget murmurou que pareciam, com
efeito. O seu olho interior não recusou ser bloqueado e encheu-se com outra
imagem, a de Raoul Montvallant e a sua noiva, os membros entrelaçados sobre frescos
lençóis de linho. Febril calor corporal. Enquanto Geralda continuava a tagarelar,
Bridget viu a Lua erguer-se sobre as muralhas do castelo, adornando de prata o céu,
e viu um homem e uma mulher, viu luz e escuridão e fogo.
A
tremer de tensão, Claire entrou na alcova onde passaria a sua noite de núpcias.
Tapeçarias bordadas de escarlate, azul e ouro adornavam as paredes e afastavam as
correntes de ar, e, onde não havia tapeçarias, o estuque era pintado com delicadas
figuras representando flores, vinhas e rolos de folhagem. A grande cama de
madeira de nogueira dominava a sua consciência. Os reposteiros de damasco azul e
escarlate tinham sido recolhidos para revelar uma colcha de fina seda azul-escura
trabalhada com luas e estrelas de fio de prata. As criadas tinham-na dobrado para
trás, deixando ver um travesseiro e lençóis de prístino linho branco que
aguardava a inscrição do seu sangue virginal. Se as suas pernas não estivessem a
tremer de medo, ela teria fugido do aposento. Uma criada tinha deixado uma infusão
de vinho e especiarias a fervilhar na lareira. Beatrice, a mãe de Raoul, conduziu
Claire até perto do fogo e fê-la parar sobre um tapete de carneiro enquanto as serviçais
a despiam». In Elizabeth Chadwich, As Filhas do Graal, 1993, tradução de Ester
Cortegano, Edições Chá das Cinco, 2013, ISBN 978-989-710-050-5.
Cortesia
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