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Floresta
de Dean. Gloucestershire. Verão de 1140
«Oliver
Pascal puxou as rédeas de Hero e cheirou
o ar. Fumo, disse ele.
Gawin
Brionne, o companheiro de armas, deteve a sua própria montada e inalou
profundamente. Aqui perto só há o pavilhão de caça em Penfoss. É Aimery Sens que
cuida dele para o conde Robert. Oliver soltou um grunhido e mudou de posição
para acomodar as nádegas doridas. As selas novas eram sempre um inferno, e aquela
mal tinha uma semana, adquirida que fora a um artesão de Bristol. Levaria pelo menos
um mês a moldá-la numa forma confortável. O que Oliver queria fazer era
atravessar o Severn no barco de transporte e continuar a cavalo até aos domínios
do conde em Bristol, onde teria seguramente uma refeição quente e um lugar seguro
para dormir. Com a guerra civil a devastar cada cidade e condado enquanto o rei
Estêvão e a sua prima Matilde lutavam ferozmente pelo trono de Inglaterra, as oportunidades
para se dormir em segurança escasseavam. Um homem mais acostumado às
depredações daquela guerra em particular poderia ter seguido em frente, mas Oliver
estava ainda verde para o jogo de incursão e contra-incursão, de pilhagem e carnificina,
um jogo que se estava a tornar tão comum que a moral e as sensibilidades
humanas eram extirpadas pela raiz. Durante a maior parte do conflito, ele estivera
ausente, em peregrinação, e sobre o chão rochoso do Santo Sepulcro, em Jerusalém,
arrastara um fardo de preces pela alma da sua esposa falecida. Fora apenas há seis
meses que regressara a uma terra que ardia e sangrava, e que viera a descobrir que,
como tantos outros, ele se tornara um homem sem terras.
Gawin,
que era cinco anos mais novo, com vinte e um, mas tinha um mundo de experiência
a mais, agitou as rédeas e recomeçou a andar. Provavelmente é apenas um carvoeiro.
Acreditas nisso? Gawin encolheu os ombros. Não podemos fazer nada. Não é sensato
que nos deixemos arrastar para isto. Oliver abanou a cabeça. Talvez não, mas
não podemos simplesmente ignorar e continuar o nosso caminho. O cavaleiro mais novo
suspirou, com fadiga nos olhos azuis que permaneciam à sombra do elmo. A tua
consciência é uma mó que carregas à volta do pescoço. Oliver comprimiu os lábios.
Ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, usava a barba bem escanhoada,
pois, em contraste com o cabelo cor de linho, a sua barba, quando lhe era permitido
crescer, assumia um ardente vermelho-fogo que o fazia sentir como um fenómeno da
natureza. Deixa que a minha consciência me arraste para onde quiser e procura pela
tua, disse ele friamente, e virou Hero
na direcção do cheiro a queimado. Gawin hesitou por um momento e, depois,
fazendo rolar os olhos, foi atrás do seu companheiro.
No espaço
de meia milha, as baforadas de fumo tornaram-se mais fortes, removendo a esperança
de que a sua fonte fosse um controlado fogo doméstico, e foram-se adensando
significativamente, à medida que os homens atingiam o caminho principal para Penfoss.
Os cavalos ficaram inquietos e difíceis de manobrar, e os dois cavaleiros foram
forçados a desmontar e continuar a pé. Penfoss era cercada por uma paliçada de afiadas
estacas de carvalho cortadas da floresta circundante e montada com cordas de cânhamo.
A paliçada pendia agora numa posição inclinada e, do outro lado, o telhado de
colmo do pavilhão de caça e os edifícios exteriores eram obliterados por línguas
de chamas e colunas de fumo negro. Cautelosamente, de armas em punho, Oliver e Gawin
abandonaram a cobertura oferecida pelas árvores e aproximaram-se da paliçada. Viram
o corpo de um homem estatelado no portão. Havia um corte aberto na sua garganta,
e ele fora despido de todas as vestes excepto o pano que lhe cingia os rins, que
ele manchara nos seus estertores de morte. Um enorme cão preto jazia ao seu lado,
de peito aberto.
Gawin
fez uma careta e olhou em volta nervosamente. Partamos. Já não há nada a fazer
aqui e quem quer que tenha provocado tudo isto ainda deve estar por perto. Ignorando-o,
Oliver entrou no recinto. Flocos de fuligem elevavam-se num vento de fogo e rajadas
de calor eram vomitadas em cima dele. Os corpos juncavam o pátio ao acaso, abatidos
em fuga, a julgar pela quantidade de ferimentos nas costas. Armados e desarmados;
homens, mulheres e crianças. A boca de Oliver encheu-se de fluido e ele apertou
o punho da sua espada. Era isso ou atirar com ela para o mais longe que
conseguisse. Nem em três anos de viagens pelos lugares mais selvagens desta terra
de Deus alguma vez vi uma coisa como esta, disse ele, com a voz rouca. É melhor
que te acostumes. Havia na voz de Gawin um tremor que desmentia a indiferença das
palavras, e a sua mão livre procurou a cruz que trazia em volta do pescoço.
Oliver
prosseguiu. Uma brilhante massa de cabelo dourado atraiu-o ao corpo de uma
mulher. Ela estava caída de costas, com as pernas abertas. Os seus olhos abertos
olhavam para o céu cegamente; tinha a face inchada e o lábio pisado, mas ainda
respirava. Misericórdia de Deus! Oliver caiu de joelhos ao seu lado. Amice,
Amice, consegues ouvir-me? Conhece-la? A voz de Gawin era de consternação. Desde
há muito tempo, disse Oliver sem olhar para trás. Era uma das pupilas do conde Robert,
juntamente com a minha mulher. Se as circunstâncias tivessem sido diferentes, eu
podia até ter casado com ela e não com Emma. Pela piedade de Jesus, não
acredito nisto! Ele juntou-lhe as pernas e puxou-lhe o vestido sobre as coxas
pisadas e ensanguentadas. A mulher voltou a cabeça e olhou para Oliver, mas não
havia sinal de reconhecimento nos seus escuros olhos cor de safira. Gawin
cofiou a barba curta que lhe contornava o queixo. É muito grave? Não sei. Foi espancada
e violada, pelo que consigo perceber. Não podemos deixá-la neste lugar. Vai
buscar os cavalos». In Elizabeth Chadwick, O Nó do Amor, 1998, Edições Chá das Cinco, 2013,
ISBN 978-989-710-057-4.
Cortesia
de ECdasCinco/JDACT