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Mancebo demais para o comprometimento de carrear o fado de um reino tão extenso
e tão alvoroçado como o do Brasil, o monarca adolescente encontrou nesta sua
nova empreitada um entretenimento simples e gracioso. Ou assim o julgava o
imberbe imperador Pedro II, desconhecedor de que os desígnios do coração não se
ordenam; tampouco a benquerença tem hora marcada. Com um oceano pelo meio a
separá-la da Europa e pouco acostumada a receber a visita de majestades de
além-fronteiras, a corte brasileira imergira num desmedido e alvoroço para acolher
o filho do rei de França! em jeito festivo. Os corredores do piso nobre do
Palácio de São Cristóvão encheram-se dos passos apressados dos criados num
redopio sem fim, devolvendo ao paço o júbilo e a animação que conhecera à época
em que a corte portuguesa se transferira para o Brasil. Tais memórias recuavam
até ao início do século, quando, em 1808, fugidos da ameaça das tropas
napoleónicas na sua terra natal, João VI e dona Carlota Joaquina se refugiaram
na sua colónia brasileira.
A
história da arrimada da corte joanina ao Rio de Janeiro, ouviram-na os infantes
contar ao seu pai, repetidas vezes. De como família real e cortesão se
instalaram no vasto casarão construído pelo mercador português Elias António Lopes
no topo de um cabeço, com uma boa vista para o Atlântico, de onde o nome Quinta
da Boa Vista. Das modificações e melhoramentos a que, sem delongas, o rei de
Portugal procedeu, transformando a propriedade em residência real. E assim,
desbravado o mato que a cercava, secos os fétidos pântanos, aplanados os
acessos à cidade e ao mar e dignificado o edifício, a casa do comerciante
lusitano convertera-se no Paço Real de S. Cristóvão da família de Bragança. Mas
João fora mais longe, ordenando a construção de quatro torreões em estilo
neogótico, embora apenas o torreão norte tenha sido erguido, e ainda da ala sul
e da escadaria principal de acesso ao edifício.
Manuel
Costa fora encarregado de dar continuidade às reformas do seu antecessor, John
Johnston, acrescentando um torreão, simétrico ao único com que o inglês dotara
o conjunto, mas a sua morte cinco anos mais tarde entregaria ao francês José
Pedro Pezerat a conclusão das remodelações e o embelezamento dos jardins. Mais
tarde tornado o rei a Portugal, Pedro fez instalar o escritório e a sala de
espera no piso térreo, colocando no pavimento superior os dormitórios, os quais
disfrutavam de vista desafogueada para o pátio, para a cidade e para o mar. As
mudanças mais significativas do palácio, no entanto, tiveram lugar por ocasião
do casamento do príncipe com Maria Leopoldina de Áustria, como foi o caso a
edificação de um colossal portão à entrada, como presente de casamento dos
nubentes por parte do general Hugh Percy, segundo duque de Northumberland. E
foi ali, havia já o paço da Quinta da Boa Vista ascendido a sede de Império,
que vieram ao mundo aquela que viria a ser rainha de Portugal, dona Maria II, e
Pedro II, o futuro imperador do Brasil, assim como os demais filhos de suas majestades.
Décadas
dobradas, distante que ia o lastimado regresso da família real portuguesa à sua
pátria, aquietado o choro pela ida da princesa Maria da Glória para Portugal e
finalizado o luto pelas mortes de dona Leopoldina (em 1826) e de Pedro I (oito anos
mais tarde), a alcaçaria de Vera Cruz engalanava-se de novo com indícios de
festim e de exultação. E os sinais de festividade adivinhavam-se, quer no
vaivém dos negros serviçais, carregados de bandejas de prata pejadas de
apetecíveis frutas de todas as cores, e bojudas garrafas de cristal repletas de
vinho ou sucos vários, como no adorno da corte com exóticas flores tropicais.
Liam-se ainda indícios de celebração na chegada de individualidades do império
e dos músicos, igualmente convocados às pressas, que agora acorriam à bela Sala
de Música de São Cristóvão, transportando os seus instrumentos para os dispor
religiosamente nos seus devidos lugares». In Maria João Gouveia, A Princesa Boémia,
2013, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-862-626-4.
Cortesia
Topseller/JDACT