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«O valor das coisas não está no tempo que elas
duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis». In Fernando Pessoa
«O
medo, dizem, é o maior inimigo do homem. Sentimento hostil, agoirento e poderoso,
que surge inoportunamente a cada esquina, age à traição e, sobretudo, não conhece
ninguém que lhe seja indiferente. Apercebi-me particularmente da frequência e
dos diversos aspectos do medo graças ao sucesso de Histórias de um Portugal
Assombrado, e às centenas de relatos e reacções que me foram chegando relativamente
às histórias que nele contei sobre casas assombradas. Relatos de medo, claro, que
chegavam de leitores anónimos e dos mais insuspeitáveis interlocutores, afoitos
o suficiente para partilhar comigo o que lhes ia na alma. Tudo isso me levou a reflectir
sobre o próprio medo e a questionar-me sobre o impacto que os espaços físicos,
pela sua forma, história ou característícas, têm sobre as nossas emoções e como
podem moldar a percepção sobre o que nos rodeia. E dessa introspecção pessoal nasceu
a vontade de levar para o terreno uma nova pesquisa que deu origem a este livro,
que enumera 101 lugares de Portugal que são especiais, tão-só ou também, pelo pavor
que nos incutem. Um mapa do medo, que percorre ruas, casas e paisagens, contando
histórias dos lugares onde passamos todos os dias, mas que estão marcados por acontecimentos
terríveis, sejam eles crimes, manifestações do sobrenatural ou simplesmente o fantástico
e maravilhoso lendário popular. Escrever sobre estes lugares levou-me
igualmente a reflectir (e muito) sobre o perigo que o medo representa porque, na
maioria das vezes, o que verdadeiramente nos ameaça é a forma como o receio nos
condiciona e transforma uma situação e um lugar em barreiras difíceis de transpor.
Quando
temos medo, fugimos e desistimos. Às vezes, sem sequer nos darmos conta. O medo
constrange e retrai logo desde tenra infância, graças a figuras como o bicho-papão,
por exemplo, que embala os meninos que se recusam a dormir. Ou a maria gancha,
cuja maldade desfila nas páginas deste livro porque, no Norte de Portugal, puxa
os mais desobedientes para o fundo das águas tenebrosas dos poços, entre outros
monstros que os mais velhos inventam e deixam a dormir debaixo da cama das crianças
e que, por vezes, ficam lá até à idade adulta. Mas o pior acontece quando o medo
salta o limite das comunidades e é usado pelo poder como arma de repressão e controlo.
Mia Couto resumiu-o numa frase: para fabricar armas é preciso fabricar inimigos;
para produzir inimigos, é imperioso sustentar fantasmas. Portugal, país pacato e
de brandos costumes, também sucumbiu ao veneno do medo: o massacre de milhares de
judeus aconteceu no Largo de São Domingos, em pleno coração de Lisboa, há pouco
mais de 500 anos. Três dias de medo colectivo e insano que por isso mereceu ser
contado nas páginas que se seguem. É que ao medo associam-se outras emoções extremas
e desconfortáveis, quase sempre fáceis de desencadear se estivermos no sítio errado,
à hora errada: o silêncio, a escuridão, o sofrimento, o sangue, as doenças, as armas
induzem directa ou indirectamente o medo, explica o criminalista Francisco Moita
Flores, referindo-se sobretudo aos lugares marcados por memórias pesadas, como aqueles
onde aconteceram mortes violentas. Ou até mesmo aos lugares onde estão enterrados
os que já partiram, os cemitérios. Ou aqueles sítios onde, diz-se, os mortos continuam
a manifestar-se...» In Vanessa Fidalgo, 101 lugares para ter medo em Portugal, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-467-3.
Cortesia
de AEdosLivros/JDACT