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Londres. Maio de 1537
«(…) Fechei os olhos. Via outra
rapariguinha a correr. Tinha oito anos de idade, estava sem fôlego, sentia uma
pontada no flanco, e corria por um caminho estreito, entre sebes altas, à procura
de uma saída. Ouvia vozes a gritarem o meu nome, mas não via quem falava. Despacha-te,
Joanna, despacha-te! A seguir vamos jogar ténis!, bradavam os meus primos, tão
fortes, tão duros. Anda lá, rapariga, tu consegues, trovejava a voz despreocupada
do meu tio, Edward Stafford, terceiro duque de Buckingham e chefe da família. Tens
de descobri r a saída sozinha. Não podemos mandar ninguém à tua procura e
correr o risco de perder outra criança. Tinha ficado presa no labirinto do meu
tio. Acabara de o mandar construir. Contratei frades melhores para desenharem o
meu do que os que fizeram o do cardeal Wolsey, gabava-se ele repetidamente. Naquele
dia, 4 de Setembro, a festa anual do aniversário do segundo duque de
Buckingham, o meu avô, falecido há muito, o labirinto tinha sido estreado. Os
meus primos e eu tínhamos sido vendados e conduzidos até ao centro. Depois
tiraram-nos as vendas e deram-nos ordem para corrermos para a saída, a ver quem
seria o primeiro. Percorram o labirinto! Percorram o labirinto!, bradava o meu tio,
do outro lado das sebes altas e cerradas. Eu era das mais novas e fiquei imediatamente
para trás. Não tardei a ficar sozinha. Corria de um lado para o outro, na esperança
de ver as sebes abrirem-se para o jardim, mas a minha intuição nunca acertava e
cada vez me embrenhava mais no labirinto.
Que se passa contigo, Joanna? Pensa, rapariga,
pensa! As vozes eram cada vez mais altas, mais impacientes. Joanna, não sejas tão
estúpida, gritou um dos rapazes Stafford. Um dos adultos mandou-o calar. Tinha-me
transformado no centro das atenções, algo que sempre detestei. Nesta esquina teria
virado à direita ou à esquerda? O pânico fazia-me esquecer os caminhos que já experimentara.
Sentia a cabeça a andar à roda, por causa do perfume das rosas. Dúzias de
roseiras vermelhas, rigidamente podadas, salpicavam o labirinto. Estavam quase no
fim da época; as pétalas tinham murchado e caído. E já passava da hora de maior
frescura para as flores. Mas as roseiras eram tantas, e eu passara tantas vezes
por elas, que quase sentia na boca o sabor enjoativo e poeirento daquelas rosas
imperiosas. Dobrei uma esquina, muito depressa, e esbarrei com Margaret. Caímos
as duas, rindo. As contas que decoravam as nossas mangas tufadas prenderam-se umas
às outras. Quando conseguimos libertar-nos, ela ajudou-me a levantar: Margaret era
um ano mais velha do que eu e cinco centímetros mais alta, além de ser sempre cem
vezes mais inteligente e bonita. Era minha prima direita. E a minha única amiga.
Margaret, onde foste?, berrou o duque de Buckingham. É bom que não tenhas voltado
ao labirinto para ires buscar a Joanna.
Oh, ele vai zangar-se contigo!, disse eu. Não
devias ter vindo. Margaret piscou-me o olho. Sacudiu a terra que sujava os
nossos vestidos de festa e conduziu-me para a saída, levando-me pela mão. Um grupo
enorme havia-se reunido à boca do labirinto. Parecia que lá estava o clã
Stafford em peso, acompanhado por todos os nossos vassalos e criados. O meu tio,
o duque, o proeminente par do reino, trajava brocado de prata e exibia uma
comprida pena de avestruz no chapéu. O seu irmão mais novo, sir Richard Stafford,
meu pai, estava ao seu lado. Uma sombra que se alongava de um lado ao outro do
jardim quase caía sobre eles. Era projectada pela torre quadrada que se erguia acima
de todos nós. O Castelo de Thornbury, no Gloucestershire, tinha sido construído
para resistir a qualquer ataque. Não de um inimigo externo, mas de gerações de
reis Plantagenetas invejosos. Margaret foi direita ao duque, sem medo: estais a
ver, pai, encontrei a Joanna, declarou ela. Agora já podeis ir jogar ténis. Ele
fitou-nos às duas, com as sobrancelhas arqueadas, enquanto toda a gente esperava.
O ambiente era tenso. Mas o duque de Buckingham deu uma gargalhada. Beijou a sua
filha muito querida, a bastarda que fora criada com os quatro filhos da sua dócil
duquesa». In Nancy Bilyeau, A Coroa, 2012, Editorial Presença, Lisboa, 2012, ISBN
978-972-234-862-1.
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