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A
assembleia dos templários
«(…)
O nomeador, espécie de secretário que tinha os registos, principiou a chamada:
barão de Beaumanoir! Presente!..., respondeu o ancião, que presidia à assembleia,
erguendo-se. O nome de Beaumanoir, ilustre entre todos na história dos
Templários e na da França, era altiva e nobremente usado pelo célebre
guerreiro, cuja reputação era imensa nos exércitos franceses. Percy de
Sussex!..., prosseguiu o nomeador. O conde britânico levantou-se, e todos
admiraram a sua estatura gigantesca e a altivez da sua fisionomia leal. Pedro
Calderon!... Francisco Burlamacchi! Ulrico Zuinglio! Guarniero de Hatzing! Todos
respondiam à chamada, à medida que iam sendo pronunciados os nomes. Aqueles representantes
das diversas nações da Europa apresentavam nas fisionomias a diferença que havia
nas suas origens. Assim, a barba farta e áspera de Calderon, o seu rosto
anguloso e ossudo, contrastavam com o rosto quase infantil e cheio de indizível
doçura de Francisco Burlamacchi; e Zuinglio, o reformador suíço, que mais tarde
devia sucumbir na batalha contra os católicos, homem de aspecto severo, pálido,
de poucas palavras estava em absoluta oposição com o barão de Hatzing, cujas
face rosadas e cabelos louros davam imediatamente a conhecer um saxão, ainda ao
observador menos perspicaz. Inácio de Loiola!..., chamou, por último, o
nomeador. Presente!, respondeu com voz solene o peregrino, que fora o último a
chegar.
Os
seis chefes voltaram então o olhar para o lado daquele seu companheiro, e parece
que só então repararam que ele era o único que se apresentava com as vestes
andrajosas no meio daquela fúlgida reunião, em que todos estavam com as suas
brilhantes armaduras. Irmão, disse Beaumanoir, com acento de afectuosa
deferência, irmão, o teu disfarce, agora que estás connosco, já de nada serve.
Desde o dia em que nos deixaste, faz agora três anos, que nós conservamos com
reverente afecto a esplêndida armadura, que para ti foi cinzelada pelo melhor
artista de Toledo. Irmãos escudeiros, trazei a armadura, e vesti-a ao senhor de
Loiola. Dois dos irmãos levantaram-se e iam a encaminhar-se para uma das portas
da sala, quando Inácio os deteve com um gesto, dizendo: é inútil. Estes
andrajos, que trago vestidos, já não são indícios de pobreza; mas um voto, que
fiz, me obriga a trazê-los. Apesar disso, irmão Loiola… Apesar disso, irmão
Beaumanoir, os estatutos da nossa ordem conferem a qualquer irmão o direito de
se vincular por qualquer voto, contanto que este não seja contrário ao fim supremo
da associação. O tom em que Loiola pronunciara aquelas palavras era tal que não
se podia insistir, a menos que não se quisesse entrar em questão com o estranho
Templário; por isso, Beaumanoir fez um sinal e o nomeador continuou a chamada.
Debaixo
daquelas abóbodas ressoaram então os nomes mais ilustres da Europa, já pela nobreza
de sangue, já pelo alto valor nas artes, nas ciências, nas armas e no governo.
Estava ali um senado capaz de reger o mundo inteiro sem custo algum! Um senado
do qual um dos chefes era Inácio de Loiola, o génio mais potente de
organização, que aparecera no mundo antes de Bonaparte. Terminada aquela
operação preliminar da chamada, Beaumanoir levantou-se outra vez. Irmãos, disse
ele, mais de duzentas vezes nos temos aqui encontrado juntos, nesta reunião
anual, desde que os dois malditos, o papa Clemente Sexto e o rei Filipe o Belo,
dispersaram os nossos irmãos e tentaram destruir a nossa ordem. Eu, pela minha
parte, já umas quarenta vezes tomei lugar nestas reuniões, porque há quarenta
anos que pertenço a esta associação, para a qual entrei por morte de meu pai.
Todos os que tomavam parte no conselho, no dia em que recebi a medalha de
simples cavaleiro, já hoje são mortos; só eu ainda vivo, e sou o mais velho
desta assembleia, da qual então era o mais novo.
Senhores,
todos vós sois valorosos e fortes; mas aqueles que ao meu lado se sentaram no banco
dos chefes, aqueles que partilharam comigo as esperanças e as agonias de
quarenta ano: de luta, eram igualmente valorosos e grandes, e o trabalho dele:
não foi infrutífero para a nossa ordem. Havia entre eles muito ilustres! E o
ancião deixou descair a cabeça para o peito, oprimido por uma recordação
dolorosa. Bem depressa, porém, a ergueu, percorrendo com um olhar cintilante de
vigor e energia toda a assembleia. Irmãos!, disse Beaumanoir com uma voz
potente que se repercutiu por sob as abóbadas do antigo mosteiro, irmãos! Se os
prognósticos não mentem, se as promessas dos antigos e os preceitos da
experiência não são vãs, está próximo o grande dia da vitória. Irmãos, a ordem
do Templo vai ressurgir. Um murmúrio de alegria percorreu toda a assembleia: só
Inácio de Loiola é que desfranziu os lábios num sorriso duma expressão
indubitavelmente sarcástica; mas aquela nota discordante passou despercebida em
meio do entusiasmo geral.
Sim,
irmãos, prosseguiu o ancião com irresistível autoridade, as duas potências, que
oprimiam a nossa ordem, o papado e a monarquia, estão em vésperas da sua queda.
Desta vez a luz veio do Norte: enquanto a Espanha indómita e a sapiente Itália jaziam
na opressão, um tedesco ergueu a voz, e a Igreja de Roma e o trono dos reis estremeceram
nos seus alicerces... Irmãos, posso assegurar-vos a queda dos ímpios está próxima;
o reinado dos eleitos de Deus aproxima-se!... E tens disso indícios certos?,
perguntou altivamente um dos assistentes. Indícios certíssimos, príncipe de conde;
e tu bem o sabes, tu, que no íntimo da tua alma saúdas a nova religião, e que
já te terias declarado francamente luterano, se não to impedisse o receio que
tens de perder a tua posição de príncipe e os teus imensos bens. Conde corou, e
o presidente continuou assim: a Alemanha está em chamas; o corajoso Lutero
ensinou aos povos o desprezo por todas as autoridades injustas, quer elas
tenham na cabeça uma mitra, quer um elmo». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947,
tradução de Adolfo Portela, Brasil,
Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.
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