sábado, 12 de novembro de 2016

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «Por outro lado, o facto de a Ordem de Cristo não possuir este órgão electivo, apesar de ter sido estruturada à semelhança de Avis, e como esta filiada em Calatrava…»

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A eleição do Mestre de Avis nos séculos XIII-XV
«(…) Em 1316, aquando da eleição de Gil Martins, algo de semelhante se poderá ter passado. De facto, num códice da Ordem de Calatrava diz-se que nesse ano el maestre de Calatrava enbio visitadores a Avis (... ) por discordia que entre ellos avia sobre eleccion del maestre. E se nada nos informa sobre o modo como foi resolvida, desta feita, a questão, não nos parece que o monarca Dinis I tenha deixado de intervir uma vez que se tratava, por um lado, da substituição (não sabemos se por morte ou por renúncia) de Garcia Peres Casal, e, por outro, da eleição daquele que o monarca escolheria para vir a ser o primeiro mestre da Ordem de Cristo, que iria ser criada pouco tempo depois. Um aspecto não menos importante e que nos parece merecer também destaque, é o modo como os Treze escolhiam o nome a apresentar ao cabido. O facto de a petição de 1387 referir que os cavaleiros que se encontravam na Capela haviam apontado oralmente o nome do seu preferido, leva-nos a pensar que é possível que tenha existido por diversas vezes alguma coacção, conduzindo a escolha a um resultado que se pretendia. Não nos podemos esquecer que, nesta mesma época, os abades e priores dos mosteiros das Ordens Religiosas eram eleitos por voto secreto, exactamente para assegurar a livre escolha por parte dos votantes...
Finalmente, a documentação analisada levantou-nos uma outra questão, igualmente pertinente, mas para a qual não encontrámos uma resposta definitiva. Trata-se de saber porque é que o papa João XXII incumbiu Gonçalo Pereira de visitar o convento de Avis em 1330 e confirmar o mestre eleito (Gil Peres), substituindo deste modo, e apenas neste momento, a Ordem de Calatrava. Problemas internos desta, interesse daquela em eximir-se da jurisdição castelhana, intervenção do monarca português junto da Santa Sé, são algumas das muitas hipóteses a investigar mas que a documentação até agora conhecida não permite esclarecer. De explicação mais simples nos parece o facto de ter sido o bispo de Évora quem confirmou, por comissão papal, Fernão Rodrigues Sequeira na dignidade mestral da Ordem de Avis em 1390. De facto, se atendermos à conjuntura política do reino e às guerras que som antre Portugal e Castella seria lógico que não se pedisse a uma Ordem castelhana qualquer confirmação.
De tudo o que fica dito, parece-nos importante salientar o melhor conhecimento do órgão colegial formado pelos Treze na Ordem de Avis. Embora não tenha sido possível determinar quem eram os freires ou os comendadores que pertenciam a este grupo, não deixou de se tomar claro que pelo menos desde o século XIII até à eleição do mestre Fernão Rodrigues Sequeira em 1387, os Treze tiveram um papel fundamental no processo eleitoral da Ordem. O facto de as Regras do século XVI e XVII, assim como as definições da centúria anterior não lhe fazerem qualquer referência, leva-nos a pensar que este colégio terá perdido as suas funções, deixando deste modo de ter razão de existir. De facto, a partir do momento em que é o próprio monarca quem escolhe o cavaleiro que deverá tomar conta dos destinos da Ordem, não nos parece que a sobrevivência dos Treze tivesse qualquer sentido. Por outro lado, o facto de a Ordem de Cristo não possuir este órgão electivo, apesar de ter sido estruturada à semelhança de Avis, e como esta filiada em Calatrava, leva-nos a questionar a própria necessidade dos Treze. Nesta perspectiva, e uma vez que é conhecido o papel do rei Dinis I na fundação desta milícia, cabe perguntar se o monarca não estaria interessado em afastar da organização da nova Ordem tudo quanto pudesse obstar à intervenção régia na instituição, nomeadamente através da escolha do seu mestre...
Para finalizar, retenhamos uma ideia que deriva directamente da matéria que temos vindo a estudar: a par dos diplomas de 1238 e 1342, que se referem expressamente a visitas de representantes da Ordem de Calatrava destinadas a confirmar mestres eleitos, e, portanto, à existência concreta de dependência de Avis face à milícia castelhana, surgem documentos de 1311, 1330, 1387, 1389 e 1390 (estes três últimos referentes à mesma eleição) que mostram claramente uma atitude de autonomia da primeira em relação à segunda. Ou seja, o pedido do Prior do Convento a Urbano VI para que confirmasse o mestre eleito não terá sido o primeiro golpe na dependência da Ordem portuguesa, relativamente a Calatrava, como se tem vindo a afirmar, mas antes o corolário de uma atitude de isenção que há muito vinha sendo procurada. Mas este é, por si só, um assunto que merece um estudo aprofundado que, certamente, a seu tempo será efectuado...» In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FLetrasPorto/JDACT