jdact
«(…)
No Núcleo Arqueológico da Praça Nova, a tarefa de imaginar um passado distante é
facilitada pelas placas informativas e pela reconstituição de algumas
estruturas que ali foram identificadas durante a intervenção arqueológica. Aqui
foram escavadas estruturas habitacionais da Idade do Ferro ocupadas entre os
séculos VII a. C. e II a. C.. A profundidade e que foram encontrados e a sua fragilidade
leva a que estejam protegidas por uma estrutura que inclui um quadro explicativo
das diversas unidades estratigráficas, as camadas de terra e materiais arqueológicos
que se foram sobrepondo ao longo de diferentes épocas. O período romano não
deixou nesta área quaisquer estruturas, apenas uma grande quantidade de material
cerâmico que está exposto no Núcleo Museológico. Foi preciso esperar até ao século
XI para que a Praça Nova se tornasse um bairro habitacional islâmico organizado
por diversas ruas rodeadas de casas, uma das quais se prolongava pelo que é hoje
o parque de estacionamento do Castelo em direcção ao castelejo. outra importante
rua, que funcionou até ao terramoto de 1755, fazia a ligação entre a Porta do Moniz
e a antiga mesquita, que estaria sob a actual Igreja de Santa Cruz do Castelo.
Deste
bairro restam duas casas que foram reconstituídas para que os visitantes possam
ter uma ideia de como era uma típica casa islâmica, organizada em torno de um pátio
central pavimentado. Aqui ainda é possível sentir o aroma das ervas aromáticas,
que, além de melhorar o ambiente, eram utilizadas na confecção das refeições da
família. As divisões à esquerda estavam ocupadas pelas cozinhas, e à direita encontravam-se
espaços de armazenamento e as latrinas. Ao fundo, a principal divisão da casa era
o salão, a que se acedia por uma porta dupla e onde se faziam as refeições. De cada
lado desta divisão estavam os quartos, ou alcovas, que estariam separadas por biombos
ou cortinas para criar um ambiente mais acolhedor e reservado. Em ambas as casas
ainda é possível ver o chão pavimentado a argamassa e o que resta dos estuques brancos
e vermelhos que decoravam as paredes com motivos geométricos e representações do
Cordão da Felicidade ou da Eternidade. Depois da conquista cristã, parte deste bairro
foi reutilizada, enquanto uma larga área foi demolida para dar lugar ao Palácio
dos Bispos, um enorme edifício que ocuparia a maior parte deste espaço. No século
XVI, este palácio passou para os condes de Santiago, até ter sido praticamente destruído
com o terramoto de 1755. Já no século XIX aqui funcionou uma cordoaria pertencente
à Casa Pia de Lisboa. As obras da década de trinta desaterraram a área e
rebaixaram o piso, destruindo muitas das estruturas ali enterradas. Do grande palácio,
organizado em torno de dois pátios, pouco resta hoje. Conhece-se apenas uma entrada
e uma pequena parte do piso térreo ocupada por arrumos e despensas. As
estruturas de várias épocas que foram sendo identificadas revelam o reaproveitamento
feito nas várias remodelações realizadas entre os séculos XII e XVIII. Numa das
divisões é possível ver como estas sucessivas obras criaram três tipos de pavimento
diferentes, desde o simples empedrado de seixos rolados às tijoleiras. Protegido
por uma pala metálica, um dos pisos deste palácio revela um luxo caraterístico
dos finais do século XV, formando um mosaico de pedras multicolores com um motivo
central em estrela. Em dias de boa luz, este colorido conjunto é reflectido na
pala, uma engenhosa solução que permite uma melhor observação do desenho.
Em dias
de sol também é comum ver os actuais moradores, deste local deitados sobre as ruínas,
dormindo grandes sestas enquanto ignoram os visitantes. Os gatos e os pavões do
Castelo são, aliás, uma das grandes atracções dos dias de hoje, competindo para
ver quem é mais fotografado. Entre os sustos e as gargalhadas causados pelo grito
de pavões empoleirados nos locais mais inusitados e as festas dadas aos felinos
que ali se passeiam, as longas horas de esplanada ou os visitantes que se deliciam
com o sol lisboeta no fosso e nos miradouros, o Castelo de São Jorge é hoje um
local cheio de vida e animação. O ambiente de um passado em que por ali viviam e
passavam inúmeras pessoas é também animado pelas várias actividades organizadas
pelos Serviços Educativos, como as reconstituições históricas, demonstrações de
armas, as danças antigas e até exposições de aves de rapina. Tudo isto faz do Castelo
de São Jorge um agradável local de passeio e visita obrigatória para todos
quantos queiram conhecer melhor o passado de Lisboa. No topo da colina, escondida
debaixo dos nossos pés, encontra-se a origem desta cidade, a génese de uma História
de muitos séculos e que ainda tem alguns segredos para revelar». In
Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.
Cortesia
de EdosLivros/JDACT