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O Contexto
A instalação do Tribunal do Santo Ofício
«(…) O primeiro sinal de
ruptura entre a Inquisição (maldita) medieval
e este novo modelo reflecte-se desde logo na nomeação dos inquisidores. Pela
primeira vez, assistia-se ao estabelecimento de uma ligação formal entre a
jurisdição eclesiástica e a jurisdição civil, pois a intervenção do príncipe na
nomeação dos inquisidores alterava as relações de fidelidade desses agentes.
São três os tribunais que então se instalam em Portugal: Lisboa, Coimbra e Évora,
só mais tarde surgindo os de Tomar, Porto e Lamego, logo extintos. Durante os
primeiros anos, até o tribunal do Santo Ofício se encontrar plenamente em
exercício e até instituir amplamente o seu modus operandi, segue o modelo processual das fórmulas civis
em vigência. Em 1537 e ligado aos processos julgados em Évora, é criado um
Conselho Geral, ainda não permanente, nomeado pelo inquisidor-geral, cujas
funções passam pelo tratamento e despacho dos apelos apresentados ao tribunal e
pelo controlo do funcionamento do tribunal em si. Os inquisidores tinham o
poder de combater e julgar todos os crimes de heresia ou superstição herética,
nomear funcionários do tribunal e, se necessário, delegar poderes em pessoas
com a formação e a capacidade necessárias. Podiam ainda requerer, sempre que
preciso, a colaboração dos poderes seculares. É em Évora, ainda em 1536, que é
publicada a bula e o primeiro edital estabelecendo o primeiro tempo de graça de
um mês. Durante este período aqueles que se achassem culpados de delitos contra
a fé, deveriam confessar-se obtendo assim o perdão para as suas culpas. Uma vez
terminado o tempo de graça, terminava o tempo do perdão e os culpados seriam
presos e processados. No fim do ano, o inquisidor-geral, frei Diogo Silva, faz
saber que pertencem ao foro da Inquisição (maldita)
os crimes de bigamia e feitiçaria, apresentando ainda um rol pormenorizado dos
sintomas de judaísmo, luteranismo e maometismo.
Ao longo destes
primeiros anos, a acção do tribunal inquisitorial foi alvo das determinações do
monarca (é ele quem nomeia o inquisidor-geral, os bispos, etc.). Contudo, em
1539, ocupa a cadeira de inquisidor-geral o cardeal Henrique, irmão do rei,
cargo que viria a ocupar até 1578, tendo a oportunidade de formar duas gerações
de inquisidores e de reorganizar a hierarquia eclesiástica. Ele vai ser o homem
forte da Inquisição (maldita) em
Portugal, assumindo para a história a sua paternidade.
O primeiro auto-da-fé tem lugar em Lisboa, a 20 de Setembro de 1540. Em
1541, é elaborado um primeiro regimento que procura regular o funcionamento
deste tribunal, mas este início de actividade é ainda marcado pelos avanços e
recuos das negociações. À vontade decidida de João III, opunham-se as
reticências do papa Paulo III, que alega numa das suas missivas: pera que nam
peça Deus de nossas mãos o sangue de tantos mortos, nem demande a Vossa Alteza
conta de tantas vidas. As negociações vão-se prolongando, com permanentes
entradas e saídas de cena de novos intervenientes. Em 1544 é suspensa a
execução de sentenças em Portugal por ordem do papa, só voltando a Inquisição (maldita) a entrar em funções em 1547, através
da bula Meditatio cordis,
onde o papa recomenda sempre o uso da clemência, a suspensão por um ano da
entrega dos réus à justiça secular (pena de morte), a suspensão por dez anos do
confisco dos bens aos réus, e a permissão, por um ano, de saída do país para os
cristãos-novos». In Raquel Patriarca,
Um Estudo sobre a Inquisição de Lisboa. O Santo Ofício na Vila de Setúbal,
1536-1650 Dissertação de Mestrado em História Moderna, Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Porto, 2002.
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