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A
filha do rei. 1470
«(…)
A tua mãe não queria que eu te informasse, disse ele por fim. Mas achei que devias
saber. Saber o quê, papá? Prometi-te em casamento a Jorge Neville, sobrinho do
conde de Warwick. Warwick, o Fazedor de Reis? Warwich, corrigiu o meu pai. É um
erro dizer isso a respeito dele. Não devo a minha coroa a ninguém. O papá deve
ter percebido como me senti mal, porque deu-me um beijo na testa e acrescentou
num tom diferente: Jorge é bom rapaz e mais ou menos da tua idade. Tenho a
certeza de que vais gostar dele e, se não gostares, perdoas-me, Isabel? Eu
tinha de fazer isto. Porquê, papá? É difícil explicar, mas deixa-me tentar. O
conde de Warwick tem um irmão que é um grande general. É-me leal, embora
Warwick encabece a revolta contra mim. O irmão, o conde de N-North-amber-land?
Entaramelou-se-me um pouco à voz ao pronunciar uma palavra tão comprida e o
papá riu-se. Northumberland. És inteligente para a tua idade, Isabel. A tua mãe
disse que não compreenderias, mas compreendes, não é verdade? Abanei
vigorosamente a cabeça. A minha mãe não gostava de mim por eu ser uma rapariga
e não um rapaz, e julgava-me estúpida. Eu não era estúpida. Só não queria falar
muito porque preferia ouvir. Puxei a minha manta preferida que estava em cima
da cama. Era de veludo azul e cor de vinho e, só de acariciá-la, sentia-me
sempre mais calma. Warwick faltou à palavra que me deu, disse o meu pai e
calou-se outra vez. Por causa da mamã, pensei. Mas não disse nada. O meu pai
falou.
E o
irmão, Northumberland, chefia as minhas forças. Terá que lutar por mim contra
os do seu sangue. Não posso esperar que ele faça tal coisa e, portanto,
retirei-lhe o condado. Em troca, prometi-te em casamento ao filho, para que ele
possa sentir que recebeu algo precioso em troca da perda de poder. Puxei a
manta mais para mim ao pensar nisto. Envergonho-me de admitir que ainda durmo
enroscada numa manta, porque uma menina à beira dos cinco anos não devia
precisar disso. Mas tenho a certeza de uma coisa. Embora um dia venha a
prescindir da minha manta, precisarei sempre do meu pai. A felicidade é estar
na presença dele; a felicidade é sentar-me ao colo dele a ouvir uma história ou
percorrer os salões do castelo às suas cavalitas. Mesmo quando julgo que vou
escorregar, não me assusto porque sei que ele não me deixaria cair. Como
poderia eu viver sem ele? Terei de separar-me de si, papá? Sustive a respiração
enquanto esperava pela resposta. Não por muito tempo, minha querida. O calor
voltou. Ainda bem. Não quero deixá-lo, papá. Quero que fiquemos juntos para
sempre, para sempre. O meu pai riu-se. Em seguida, observou-me com um ar
solene. Adoro-te, minha linda Isabel. Que Deus em toda a Sua infinita
misericórdia te conceda felicidade em todos os dias da tua vida, minha doce
menina. Era uma bênção, mas a entoação dele fez-me sentir muito triste.
De
repente, a vida mudou. O meu pai partiu para a guerra e, na sua ausência, a
minha mãe chorava e gritava: que desgraça! Que desgraça! A avó Jacquetta
dizia-lhe sempre: vai correr tudo bem, minha filha. Eu sei que vai... Mas a mãe
parecia não a ouvir porque chorava ainda mais alto. À minha volta, os criados
em pânico corriam de um lado para o outro como se o diabo os perseguisse,
benziam-se, aterrados, e suplicavam à Virgem Maria que os salvasse. Mas ninguém
me explicava o que estava a correr mal. Quando volta o meu pai?, perguntava-lhes
eu. Eles recomeçavam a chorar, cobriam a face e fugiam. As mesmas pessoas que
se haviam rido e divertido no meu aniversário em Fevereiro, e eu não percebia por
que motivo era agora tudo tão diferente. Sentia-me muito só e assustada». In
Sandra Worth, A Favorita do Rei, A Primeira rainha Tudor, 2008, tradução de
Maria F. Duarte, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-657-165-8.
Cortesia
de PlanetaM/JDACT