terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A Favorita do Rei. Sandra Worth. «O meu pai partiu para a guerra e, na sua ausência, a minha mãe chorava e gritava: que desgraça! Que desgraça! A avó Jacquetta dizia-lhe sempre: vai correr tudo bem, minha filha. Eu sei que vai...»

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A filha do rei. 1470
«(…) A tua mãe não queria que eu te informasse, disse ele por fim. Mas achei que devias saber. Saber o quê, papá? Prometi-te em casamento a Jorge Neville, sobrinho do conde de Warwick. Warwick, o Fazedor de Reis? Warwich, corrigiu o meu pai. É um erro dizer isso a respeito dele. Não devo a minha coroa a ninguém. O papá deve ter percebido como me senti mal, porque deu-me um beijo na testa e acrescentou num tom diferente: Jorge é bom rapaz e mais ou menos da tua idade. Tenho a certeza de que vais gostar dele e, se não gostares, perdoas-me, Isabel? Eu tinha de fazer isto. Porquê, papá? É difícil explicar, mas deixa-me tentar. O conde de Warwick tem um irmão que é um grande general. É-me leal, embora Warwick encabece a revolta contra mim. O irmão, o conde de N-North-amber-land? Entaramelou-se-me um pouco à voz ao pronunciar uma palavra tão comprida e o papá riu-se. Northumberland. És inteligente para a tua idade, Isabel. A tua mãe disse que não compreenderias, mas compreendes, não é verdade? Abanei vigorosamente a cabeça. A minha mãe não gostava de mim por eu ser uma rapariga e não um rapaz, e julgava-me estúpida. Eu não era estúpida. Só não queria falar muito porque preferia ouvir. Puxei a minha manta preferida que estava em cima da cama. Era de veludo azul e cor de vinho e, só de acariciá-la, sentia-me sempre mais calma. Warwick faltou à palavra que me deu, disse o meu pai e calou-se outra vez. Por causa da mamã, pensei. Mas não disse nada. O meu pai falou.
E o irmão, Northumberland, chefia as minhas forças. Terá que lutar por mim contra os do seu sangue. Não posso esperar que ele faça tal coisa e, portanto, retirei-lhe o condado. Em troca, prometi-te em casamento ao filho, para que ele possa sentir que recebeu algo precioso em troca da perda de poder. Puxei a manta mais para mim ao pensar nisto. Envergonho-me de admitir que ainda durmo enroscada numa manta, porque uma menina à beira dos cinco anos não devia precisar disso. Mas tenho a certeza de uma coisa. Embora um dia venha a prescindir da minha manta, precisarei sempre do meu pai. A felicidade é estar na presença dele; a felicidade é sentar-me ao colo dele a ouvir uma história ou percorrer os salões do castelo às suas cavalitas. Mesmo quando julgo que vou escorregar, não me assusto porque sei que ele não me deixaria cair. Como poderia eu viver sem ele? Terei de separar-me de si, papá? Sustive a respiração enquanto esperava pela resposta. Não por muito tempo, minha querida. O calor voltou. Ainda bem. Não quero deixá-lo, papá. Quero que fiquemos juntos para sempre, para sempre. O meu pai riu-se. Em seguida, observou-me com um ar solene. Adoro-te, minha linda Isabel. Que Deus em toda a Sua infinita misericórdia te conceda felicidade em todos os dias da tua vida, minha doce menina. Era uma bênção, mas a entoação dele fez-me sentir muito triste.
De repente, a vida mudou. O meu pai partiu para a guerra e, na sua ausência, a minha mãe chorava e gritava: que desgraça! Que desgraça! A avó Jacquetta dizia-lhe sempre: vai correr tudo bem, minha filha. Eu sei que vai... Mas a mãe parecia não a ouvir porque chorava ainda mais alto. À minha volta, os criados em pânico corriam de um lado para o outro como se o diabo os perseguisse, benziam-se, aterrados, e suplicavam à Virgem Maria que os salvasse. Mas ninguém me explicava o que estava a correr mal. Quando volta o meu pai?, perguntava-lhes eu. Eles recomeçavam a chorar, cobriam a face e fugiam. As mesmas pessoas que se haviam rido e divertido no meu aniversário em Fevereiro, e eu não percebia por que motivo era agora tudo tão diferente. Sentia-me muito só e assustada». In Sandra Worth, A Favorita do Rei, A Primeira rainha Tudor, 2008, tradução de Maria F. Duarte, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-657-165-8.

Cortesia de PlanetaM/JDACT