Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Não tínhamos a intenção de ferir ninguém... Se houvesse alguma reacção por
parte dos fascistas de Moabit, certamente a esta hora estaríamos pensando em
libertar, além do professor Braun, nossos companheiros que invadiram a prisão.
A verdade é que um bando de garotos com armas descarregadas colocou de joelhos
os fascistas que mantêm na prisão milhares de trabalhadores alemães... Às onze
horas da noite, uma tropa de choque invadiu a cervejaria Muller e evacuou o
salão a golpes de cassetete. Do seu quarto, Olga podia ver o alvoroço que a
escaramuça provocou na rua Zieten. Ao seu lado, Otto dormia, indiferente à
excitação que tomava conta da companheira. O noticiário do rádio ligado em
volume quase inaudível aumentou a insónia da moça: todos os programas da
madrugada comentavam o facto do dia, a invasão da prisão de Moabit. Mas tanto os
jornais como o rádio transmitiam uma certeza tranquilizadora: de todos os
participantes da acção, só ela fora identificada pela polícia. Sobre os outros
havia, no máximo, vagas descrições físicas. Assim, Rudi Kõnig era apresentado
como um moreno forte, de cabelo escovinha, que agarrou o escrivão pela garganta;
Margot Ring era uma ruiva gordinha, de 15 anos no máximo; aquele que as testemunhas
identificavam como o grandalhão de cabelos longos que deu a coronhada na cabeça
do secretário da Justiça era o doce Erich Jazosch; um funcionário do tribunal
que se encontrava à porta da prisão na hora da fuga descrevera Erik Bombach
como uma criança de um metro e meio de altura, carregando uma pistola em cada
mão ; a magrela Klara Seleheim, por causa do cabelo aparado rente, era tratada
como alguém que não sabemos se é uma mocinha ou um rapaz, como dizia um
locutor. Se a polícia desconhecia a identidade daqueles jovens, sobre Olga e
Otto sabia tudo. Por isso, as semanas seguintes foram de grande tensão para os
dois. O cerco policial apertava e, por maior que fosse a solidariedade das
famílias operárias de Neuktilln, aumentavam também os riscos de prisão. Pacatas
casas de metalúrgicos e padeiros eram transformadas em aparelhos para que os
jovens pudessem esconder-se por quatro, cinco dias. A segurança deles ficou a
cargo do Departamento de Ordem, uma secção geheim, secreta, e semimilitarizada
da Juventude Comunista. Experimentados em proteger a organização contra ataques
terroristas de direita ou da polícia, o Departamento de Ordem funcionava como
uma célula clandestina dentro da Juventude Comunista legal.
Eram
os seus membros que se encarregavam de arranjar sempre novos aparelhos e de
transferir Olga e Otto de uma casa para outra, quando pressentiam a aproximação
da polícia. As sessões de cinema em Berlim passaram a ser precedidas, assim que
as luzes se apagavam, da exibição de um slide reproduzindo o cartaz com as
fotos de Olga e Otto e a oferta de mil marcos a quem informasse sobre o paradeiro
deles. O público, invariavelmente, explodia em aplausos para os dois jovens, e,
invariavelmente, acendiam-se as luzes e o cinema era ocupado por grupos de
policiais armados. Quando a escuridão retornava, começavam as vaias, os assobios
e as bolas de papel voando. O que mais intrigava a polícia é que ninguém
apareceu para candidatar-se a uma recompensa equivalente a dois anos de salário
de um trabalhador.
Nos
primeiros dias de Julho, o juiz Franz Vogt, do Supremo Tribunal Federal,
convocou a imprensa no seu gabinete, ao lado do salão de audiências que havia
sido invadido três meses antes, para apresentar um novo cartaz comunicado,
assinado pelo promotor superior de Justiça da Alemanha. Nele, o Poder
Judiciário retirava a recompensa de 5 mil marcos, pois, segundo informações
fornecidas pela polícia, as citada pessoas conseguiram fugir, dirigindo-se para
o exterior. Desta vez a polícia acertara: dias antes, Olga e Otto haviam
viajado de carro, acompanhados por membros do Departamento de Ordem da
Juventude, até a cidade de Stettin, na fronteira com a Polónia. De lá
embarcaram num comboio rumo a Moscovo. No momento em que o juiz Vogt recebia os
repórteres em Berlim, o casal encontrava-se dentro de um comboio, na fronteira
da Polónia com a Rússia, exibindo passaportes falsos a um jovem soldado russo
de traços orientais, que ostentava um capacete branco com a estrela vermelha.
Emocionada por estar a entrar em território proletário, Olga não
resistiu à tentação de um aceno carinhoso para aquele soldado do povo. Para sua
tristeza, o soldado fingiu que não viu. O trem arrancou lentamente em direção a
Moscovo». In Fernando Morais, Olga, 1985, Editora Ómega, 1993/1994, Companhia das
Letras, 1985/1999, epub, 2014, ISBN 978-857-164-250-8.
Cortesia de
CdasLetras/JDACT