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A criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…) A historiografia tradicional tem-se interrogado sobre a razão pela
qual Afonso casou Urraca, sua filha primogénita e legítima, com um membro do
ramo condal da Borgonha, e, pelo contrário, deu depois a mão de Teresa, terceira
filha e ilegítima, a uma linhagem portadora do título ducal, muito mais importante
e prestigiada do ponto de vista nobiliárquico. Esta questão tem sido respondida
dizendo que se devia ao facto de Raimundo ser mais velho e de Henrique de Borgonha
ainda não ter chegado à Península, o que, em parte, é verdade.
Afonso tinha necessidade de um homem adulto e com experiência para fazer
frente à situação crítica. Esse pode ter sido um dos motivos. E outro, o de, na
verdade, a linhagem de Raimundo ter muito mais prestígio do que à primeira vista
podia indicar o título condal usado pela sua família, adoptado por um antepassado
depois de a mãe ter casado em segundas núpcias com um conde de Borgonha, pois o
conde Raimundo descendia, por linha de varão, directa e legitimamente, de Berengário
I, rei de Itália e imperador do Sacro Império Romano-Germânico. É uma genealogia
que talvez diga pouco actualmente, mas que significaria muito para um monarca
como Afonso VI, interessado no facto de lhe ser reconhecido fora da Península o
título de imperator de Espanha.
É possível, também, que estas prestigiosas ligações nobiliárias tivessem sido consideradas
por Afonso Henriques quando casou com Mafalda de Sabóia, dado que a sua avó materna
pertencia à linhagem dos condes de Borgonha.
Desconhece-se onde passaram a infância as filhas que Jimena deu ao rei,
uma vez que os documentos demoraram a registar o seu nome. Ao serem filhas da
senhora do Bierzo, é possível que as duas pequenas infantas, Elvira e Teresa, tenham
vivido durante a Primavera e o Verão nessas paragens, agrestes mas saudáveis nessas
estações, para duas meninas de tenra idade. Estariam ao cuidado de uma ama, mas
próximas da sua progenitora. No resto do ano permaneceriam nalguma propriedade familiar,
em Leão ou em Astorga, onde é possível que a linhagem de Jimena tivesse parentela
em importantes círculos eclesiásticos.
Uma das primeiras correntes educativas das descendentes pertencentes aos
altos estratos produzia-se através das relações da mãe e da ama de leite com a religião.
Se as infantas Elvira e Teresa residiam com Jimena uma parte do ano nas colinas
bercianas, seguramente participariam das actividades do mosteiro de São Pedro de
Montes, com o qual esta aparece relacionada num grande número de documentos. As
famílias da nobreza. conforme a sua riqueza, costumavam ter várias instituições
eclesiásticas que lhes pertenciam em propriedade, sendo a fundação de um mosteiro
um dos actos religiosos sociais mais importantes que podia realizar uma
aristocrata naqueles tempos. Também era uma demonstração de grande prestígio para
os seus descendentes fazer com que essa relação não decaísse, e isso conseguia-se
com sucessivas doações, como bem demonstram os arquivos do mosteiro de São Pedro,
relativamente à família materna de Teresa.
Tanto esse mosteiro como o de santo André de Espinareda, localizado também
no Bierzo, ao qual talvez tenham ido parar os restos de Jimena, tinham uma antiquíssima
relação com terras portuguesas. Em ambas as casas tinha vivido um bispo de Braga,
e uma das doações a São Pedro, feita por um suposto irmão de Jimena, faz referência
explícita ao facto de esse mosteiro ter sido fundado há muito tempo por São Frutuoso,
antigamente responsável pela sede bracarense. Por outro lado, sabe-se que o mosteiro
de Santo André tinha sido adquirido por um filho do conde Vermudo Gatones,
possível descendente da rainha Creusa de Braga, tio dos primeiros condes de Portucale
e antepassado de Teresa. Posteriormente passaria a pertencer ao viseense Ramiro
II de Leão, através de uma importante doação. Em 1043 tinha recebido a visita da
família real leonesa completa, com a finalidade de sancionar a refundação do
mosteiro. O documento em questão cita alguns nobres. Entre eles, uma Elvira
Rodrigues, freira, um Rodrigo Osorez e um Menendo Sisnández, patronímicos que têm
uma grande semelhança ou com alguns membros da nobreza galaico-portuguesa desse
período ou com os da linhagem de Muño Muñiz Gallecie. Por certo, na altura esta
linhagem era aparentada com a do conde Muño Muñiz Canis». In Marsilio
Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira
Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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