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«Alma
minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa
lá no Céu eternamentetão cedo desta vida, descontente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.
E se
vires que pode merecer-te
alguma
cousa a dor que me ficouda mágoa, sem remédio, de perder-te,
roga
a Deus, que teus anos encurtou,
que tão
cedo de cá me leve a ver-te,quão cedo de meus olhos te levou.
Amor
é fogo que arde sem se ver;
é ferida
que dói e não se sente;é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;
é um
não querer mais que bem querer;
é solitário
andar por entre a gente;é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;
é querer
estar preso por vontade;
é servir
a quem vence, o vencedor;e ter com quem nos mata lealdade.
Mas como
causar pode seu favor
nos corações
humanos amizade,se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Busque
Amor novas artes, novo engenho,
para
matar-me, e novas esquivanças,que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai
de que esperanças me mantenho!
vede
que perigosas seguranças!Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido lenho.
Mas,
conquanto não pode haver desgosto
onde
esperança falta, lá, me escondeamor um mal que mata e não se vê;
que dias
há que na alma me tem posto
um não
sei quê, que nasce não sei onde,vem não sei como, e dói não sei porquê».
In Luís de Camões, in “Sonetos”
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