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Isabel falava agora em voz doce mas, com o olhar apaixonado, Robin ordenou-se
que nada mais dissesse. Deixai-me falar: sou vosso, totalmente vosso...,
súbdito, vassalo, servo obediente. Se me quiserdes por esposo, continuaria a obedecer
às vossas ordens e teria alcançado o céu na terra. Se por motivo de alianças
escolherdes outro consorte, hei-de compreender-vos e seguir-vos. Se escolherdes
outro homem para amar..., parte de mim definhará e acabará por morrer. Mas escutai, Majestade.
Qualquer que seja o destino que guardais para mim, amar-vos-ei do mesmo modo
que, quando vos vi pela primeira vez. Lutarei e morrerei, deixarei que me
despedacem vivo, para salvar esta terra e o vosso direito de a governar como
bem vos aprouver. Imediatamente, Dudley rasgou a camisa e o colete, deixando a descoberto
o peito que cortou com a lâmina faiscante do seu punhal. Por Deus, Robin! Isabel
caiu de joelhos, lavada em lágrimas, cobrindo com os dedos a ferida de onde o
sangue brotava vivo. Nunca vos faria morrer por mim. Quero-vos vivo..., quero
que me ameis. Fazei amor comigo, agora. Robin Dudley obedeceu de bom grado às
ordens da sua rainha. Já tinha anoitecido quando franquearam as portas do
Palácio de Whitehall e detiveram os cavalos suados à luz dos archotes que iluminavam
o pátio. Guardas e lacaios acorreram imediatamente, mas baixaram os olhos
quando Dudley ajudou Isabel a descer da montada, os corpos juntos, antes de os
pés dela tocarem o chão. A rainha levava posta a longa capa de Robin que ele
próprio ajustara, num gesto protector, em redor do seu corpo. Sabia que os
homens a observavam discretamente e, logo preocupada com as formalidades,
estendeu a mão ao seu mestre-cavaleiro que, de joelho em terra, lhe tomou os
dedos e lhos beijou. Sempre ao serviço de Vossa Majestade.
A
rainha tocou-lhe no ombro e voltou-se para atravessar, por entre os guardas, a
enorme entrada do palácio, seguindo com largas passadas pelo pátio e pela
galeria que conduzia aos seus aposentos. Apesar da penumbra do corredor,
iluminado apenas por archotes, Isabel não se sentia só, já que os olhos dos
seus antepassados York e Tudor vigiavam a sua orgulhosa passagem. Sentia sempre
o peso da linhagem que, por vezes parecia trespassar-lhe a pele de alabastro,
insuflando-lhe a certeza do seu direito ao trono de Inglaterra. Antes de subir
as escadas que conduziam aos seus aposentos, Isabel retirou com uma mão um
archote da parede para iluminar o caminho e, com a outra, puxou as saias acima
dos tornozelos, pois os degraus de pedra podiam ser traiçoeiros mesmo à luz do
dia. A passagem era estreita e escura e o archote lançava sombras estranhas nas
paredes. Com o cheiro da humidade nas narinas e a recordação do recente contacto
do corpo de Robin, Isabel deu por si transportada a outros tempos, cinco anos
antes, em que descia outra escada húmida e escura já noite alta, levando, não
um archote, mas uma simples vela, receando ser descoberta naquele acto perigoso
e clandestino. Estava prisioneira na torre de Londres, acusada por sua meia-irmã
Maria, então rainha, de conspiração contra a coroa. Aterrorizada e débil devido
a uma recente enfermidade, Isabel passara os longos dias de encarceramento a
estudar e a traduzir os seus amados textos gregos, embora, verdade fosse dita,
o trabalho que impusera a si própria, de pouco lhe servira para lhe distrair o
espírito do cruel receio de uma sentença de morte.
Aquele
local terrível assistira a muitas execuções. Havia dezassete anos que a sua
própria mãe aí morrera e, em tempos mais recentes, também Catarina Howard, sua prima
e quinta mulher de seu pai. Apenas uns meses antes, outra prima, Jane Grey, de
dezasseis anos havia sido decapitada em Tower Green, tendo-se comentado, conforme
Isabel recordava com um arrepio, que do
pescoço brotara mais sangue do que se podia imaginar conter um corpo tão
pequeno. Isabel desceu cuidadosamente a estreita escada de Beauchamp Tower,
cobrindo a vela com a outra mão para ocultar o mais possível o alcance da luz.
Sabia que se a descobrissem tudo se complicaria para si e que pior sorte teria
o bondoso guarda que se apiedara da frágil menina cuja vigilância tinha a
cargo. Ou talvez, pensava cinicamente Isabel, não a considerasse traidora, mas
sim a filha do bom rei Henrique e futura rainha que, quando se sentasse no
trono de Inglaterra, haveria de recordar a bondade do velho carcereiro. Em
qualquer dos casos, o certo é que consentira em desviar os olhos e que, em mais
de dois meses, Isabel conseguira, pela primeira vez, iludir a vigilância dos
seus guardiães». In Robin Maxwell, O
Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor 1, 2002, ISBN
978-972-731-131-6.
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