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A
minha casa está assombrada
«(…)
Ansiosa, abanou vigorosamente o marido, obrigando-o a acordar. José, agricultor
humilde e bonacheirão de uma aldeia próxima de Cabeceiras de Basto, é que não
estava para conversas àquela hora da madrugada. Deu meia-volta na cama, ajeitou
a almofada e disse-lhe para continuar a dormir. Dorme mulher. Não é nada! Palavras
vãs, pois Ana continuava assustada, como se uma torrente de ansiedade e temor
tivesse tomado conta do seu corpo e da sua mente e fosse agora impossível de
conter. Abriu muito os olhos, tentando focar melhor na escuridão e então
pareceu-lhe que o rato tinha voltado, mas desta vez com o dobro do tamanho! Ainda
por cima, começou a crescer, a crescer, depressa ocupando todo o quarto. A mulher
amedrontada voltou a insistir com o marido, que desta vez se zangou. O Zé acorda,
olha este rato enorme e está a crescer, disse quase desabando num pranto. José nem
sequer lhe respondeu, pois talvez já tivesse embalado novamente no sono. Ana
acabou por tapar a cabeça, concentrou-se nas suas orações com todas as forças que
tinha e que não tinha e, mesmo sobressaltada, lá acabou por adormecer. Na manhã
seguinte, o assunto veio à mesa juntamente com o pequeno-almoço. Ana insistia
na sua visão, o marido impacientava-se e estalou a discussão, não daquelas
feias que apartam os sentimentos e magoam os corações, mas das rezingonas, que levam
as pessoas a proferir frases como lá estás tu outra vez ou tu nunca me ouves em
vez de olharem de frente para um problema que, diga-se em abono da verdade era totalmente
novo. Todo o dia não lhe saiu a ideia da cabeça a ela e, de vez em quando,
insistia com o marido. Ao serão, antes de se deitar, manifestou medo, mas José
escolheu não ligar. No entanto, lá no fundo do seu coração, que já há tanto tempo
amava aquela mulher, estava a ficar algo preocupado com ela. E o bom homem tinha,
de facto, razões para isso. Nessa mesma noite, Ana voltou a encontrar um rato no
seu leito. A certa altura, contaria ela depois à parapsicóloga Maria Luísa Albuquerque,
que o rato era quase do tamanho do quarto e começou abater insistentemente com
a pata na madeira rugosa da cama. Acordou o marido outra vez aos safanões, mas sem
sequer dar por isso, tal era o pânico que se apoderara do seu peito. E dessa vez,
ele não viu
nada mas ouviu as tais pancadas e começou então a partilhar do susto
da mulher, fazendo finalmente jus à promessa que há mais de trinta anos lhe fizera
de a acompanhar nos bons e nos maus momentos. Depois da renitência inicial, agora
era José quem precisava de resolver o problema que era coisa do diabo, do outro
mundo ou fosse lá o que fosse, mas que queria bem longe da sua casa. E assim que
se decidiu, meteu-se ao caminho para ir falar com o padre da paróquia, pedindo-lhe
que lhe benzesse a casa. O padre franziu o sobrolho à demanda, mas lá anuiu ao
pedido.
Só que
apesar de todas as rezas, velas e promessas que dona Ana fez aos santinhos de que
era mais devota, o rato teimava em aparecer e até mesmo para o marido José, que
já andava tão ou mais assustado do que a mulher. Aconselharam-nos a consultar
uma parapsicóloga. Alguns dias depois, Ana e José fizeram-se ao caminho e só pararam
no consultório de Maria Luísa Albuquerque, no Porto. Era uma tarde morna de Primavera,
o consultório estava cheio, mas vendo que o pobre casal continuava num estado de
grande excitação e ansiedade, Maria Albuquerque optou por começar a aplicar algumas
técnicas de relaxamento na mulher, numa pequena salinha interior no consultório
que serve precisamente tais propósitos. De repente, ouve-se na parede ao lado do
divã onde a paciente estava deitada, um enorme estrondo, como se um potente
chicote tivesse acabado de estalar contra a parede. O ruído não passou sequer despercebido
a quem aguardava na sala de espera, e até a especialista se assustou, dando um
salto na cadeira, pois não esperava tal manifestação daquilo que na sua opinião
não se trata de uma assombração mas sim de uma manifestação da energia mental de
Ana, que acabou por contagiar o marido pelo seu poder de sugestão. Ana, que nada
entendia dessas ciências, voltou-se para a parapsicóloga e disse-lhe com um ar surpreendentemente
calmo: creio que desta ele foi-se embora. Agora já acredita em mim?
A casa
do medo I
Felismina
era ainda uma menina quando foi viver para aquela casa. Aquela que todos diziam
ser a casa dos medos, apesar de ser uma pequena e humilde casa algarvia, térrea
e pequena, pintada de branco e com um pequeno quintal. Uma casa parecida com todas
as outras em que Felismina já tinha morado na aldeia de Marim, porque a mãe
gostava de mudar de casa, exceptuando talvez na má fama que corria de boca em boca».
In
Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal Assombrado, 2012, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.
Cortesia de
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