quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Mais do que Sedução. Cheryl Holt. «Na verdade, era uma fraude, uma solteirona de vinte e oito anos que servira de enfermeira à sua mãe moribunda, a então viúva Brown, na derradeira fase da sua doença»

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Somerset rural. Inglaterra 1813
«(…) Receia perder clientes? Tenho a certeza de que perderia. Lady Eleanor abriu a bolsa, de onde retirou um envelope que entregou à sua anfitriã. Desconheço qual o seu rendimento, mas isto deve ser mais que suficiente para compensar quaisquer custos em que possa incorrer. Anne espreitou o interior do envelope, vendo o que seria um maço de centenas de libras. É demasiado. Não poderia... Isso é para os primeiros seis meses, interrompeu a visitante. Se for preciso mais tempo para o recuperar, eu dobro essa quantia. Anne fechou o envelope com a pequena fortuna e tentou devolvê-lo, mas lady Eleanor não quis aceitar, pelo que o colocou sobre a mesa entre ambas. Por favor, mistress Smythe, imploro-lhe. Estava perturbada, convencida de que Anne podia intervir com sucesso, o que fazia com que esta se sentisse terrivelmente desconfortável. O seu nome verdadeiro era Anne Paxton e o apelido Smythe era falso. Fingia ser viúva, uma vez que a referência a um marido falecido lhe conferia legitimidade, além de afastar perguntas sobre os seus antecedentes e competências.
Na verdade, era uma fraude, uma solteirona de vinte e oito anos que servira de enfermeira à sua mãe moribunda, a então viúva Brown, na derradeira fase da sua doença. Os seus conhecimentos de medicina não iam além de uma série de métodos que desenvolvera por tentativa e erro. Ver uma desesperada lady Eleanor implorar a sua assistência deixava Anne mortificada. Não podia ajudar Stephen Chamberlin. Salvo pelo recurso a algumas tinturas, alterações alimentares e banhos na gruta, não fazia a mínima de como o fazer. O que me pede é demasiado difícil para que possa aceitar. Como posso facilitar-lhe as coisas? Não pode. Se acha que águas terapêuticas podem ser benéficas para o seu irmão, existem termas em Bath. Qualquer uma seria adequada. Não posso expô-lo num estabelecimento público. A ansiedade fez lady Eleanor franzir o cenho. Olhe para ele. Costumava ser assim. Entregou-lhe um pequeno retrato emoldurado de Stephen Chamberlin. Com cabelo escuro e olhos azuis hipnotizantes, era o tratante mais bonito que Anne alguma vez vira. Envergava o uniforme militar, com a casaca vermelha a acrescentar-lhe uma centelha de atracção. Afectado, pretensioso e excessivamente confiante, parecia pronto a desafiar Napoleão sem ajudas e vencê-lo. Os homens tolos e as suas guerras tolas!
Phillip também era garboso e galante aquando da sua partida. A irmã implorara-lhe que não fosse, que ficasse com o pai de ambos em Salisbury, onde estariam seguros, mas este também não lhe deu mais importância do que Stephen Chamberlin. Tinham ambos sido feridos e mutilados, fazendo com que as mulheres nas suas vidas tivessem de se preocupar com as consequências. Anne não queria deixar-se afectar pela súplica da sua visitante, mas olhou para o retrato com atenção, imaginando o homem e o soldado, intrigada apesar de não ser esse o seu desejo. Já não tem esse aspecto, revelou ladv Eleanor. Foi sempre um verdadeiro pavão, muito orgulhoso da sua aparência. Não poderia permitir que o vissem como está. Por isso pensei que a sua propriedade seria melhor. É muito calma e isolada. Ele teria a privacidade de que necessita para sarar. Nesse instante, ouviram-se gargalhadas no exterior e lady Eleanor voltou-se para a janela. Naquele preciso momento, a brisa fez levantar as cortinas e pôde ver uma mulher nua passar em corrida do lado de fora. Valha-me Deus..., murmurou». In Cheryl Holt, Mais do que Sedução, 2004, tradução de Paulo Moreira, Quinta Essência, 2015, ISBN 978-989-1-319-3.

Cortesia de QEssência/JDACT