jdact
Somerset
rural. Inglaterra 1813
«(…)
Receia perder clientes? Tenho a certeza de que perderia. Lady Eleanor abriu a
bolsa, de onde retirou um envelope que entregou à sua anfitriã. Desconheço qual
o seu rendimento, mas isto deve ser mais que suficiente para compensar
quaisquer custos em que possa incorrer. Anne espreitou o interior do envelope,
vendo o que seria um maço de centenas de libras. É demasiado. Não poderia...
Isso é para os primeiros seis meses, interrompeu a visitante. Se for preciso
mais tempo para o recuperar, eu dobro essa quantia. Anne fechou o envelope com
a pequena fortuna e tentou devolvê-lo, mas lady Eleanor não quis aceitar, pelo
que o colocou sobre a mesa entre ambas. Por favor, mistress Smythe,
imploro-lhe. Estava perturbada, convencida de que Anne podia intervir com
sucesso, o que fazia com que esta se sentisse terrivelmente desconfortável. O
seu nome verdadeiro era Anne Paxton e o apelido Smythe era falso. Fingia ser
viúva, uma vez que a referência a um marido falecido lhe conferia legitimidade,
além de afastar perguntas sobre os seus antecedentes e competências.
Na
verdade, era uma fraude, uma solteirona de vinte e oito anos que servira de
enfermeira à sua mãe moribunda, a então viúva Brown, na derradeira fase da sua
doença. Os seus conhecimentos de medicina não iam além de uma série de métodos
que desenvolvera por tentativa e erro. Ver uma desesperada lady Eleanor
implorar a sua assistência deixava Anne mortificada. Não podia ajudar Stephen
Chamberlin. Salvo pelo recurso a algumas tinturas, alterações alimentares e
banhos na gruta, não fazia a mínima de como o fazer. O que me pede é demasiado
difícil para que possa aceitar. Como posso facilitar-lhe as coisas? Não pode.
Se acha que águas terapêuticas podem ser benéficas para o seu irmão, existem
termas em Bath. Qualquer uma seria adequada. Não posso expô-lo num
estabelecimento público. A ansiedade fez lady Eleanor franzir o cenho. Olhe
para ele. Costumava ser assim. Entregou-lhe um pequeno retrato emoldurado de
Stephen Chamberlin. Com cabelo escuro e olhos azuis hipnotizantes, era o
tratante mais bonito que Anne alguma vez vira. Envergava o uniforme militar,
com a casaca vermelha a acrescentar-lhe uma centelha de atracção. Afectado,
pretensioso e excessivamente confiante, parecia pronto a desafiar Napoleão sem
ajudas e vencê-lo. Os homens tolos e as suas guerras tolas!
Phillip
também era garboso e galante aquando da sua partida. A irmã implorara-lhe que
não fosse, que ficasse com o pai de ambos em Salisbury, onde estariam seguros,
mas este também não lhe deu mais importância do que Stephen Chamberlin. Tinham
ambos sido feridos e mutilados, fazendo com que as mulheres nas suas vidas
tivessem de se preocupar com as consequências. Anne não queria deixar-se afectar
pela súplica da sua visitante, mas olhou para o retrato com atenção, imaginando
o homem e o soldado, intrigada apesar de não ser esse o seu desejo. Já não tem
esse aspecto, revelou ladv Eleanor. Foi sempre um verdadeiro pavão, muito
orgulhoso da sua aparência. Não poderia permitir que o vissem como está. Por
isso pensei que a sua propriedade seria melhor. É muito calma e isolada. Ele
teria a privacidade de que necessita para sarar. Nesse instante, ouviram-se
gargalhadas no exterior e lady Eleanor voltou-se para a janela. Naquele preciso
momento, a brisa fez levantar as cortinas e pôde ver uma mulher nua passar em
corrida do lado de fora. Valha-me Deus..., murmurou». In Cheryl Holt, Mais do que
Sedução, 2004, tradução de Paulo Moreira, Quinta Essência, 2015, ISBN
978-989-1-319-3.
Cortesia de
QEssência/JDACT