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Ninguém além de Tisserant parecia demasiado preocupado com a destruição por
Pascalina de milhares de páginas de documentos pessoais de Pio. Ao invés, todos
se voltavam para Roncalli. Não é papa nenhum, disse o desbocado Spellman a
alguns colegas quando regressava de Nova Iorque. Devia vender bananas. Spellman
não conseguiu ver em Roncalli o talento necessário para ser um grande soberano.
O cardeal de Nova Iorque e outros tradicionalistas acreditavam que os católicos
comuns desejavam um papado régio. O pontificado de Pio coincidiu com o zénite desse
poder absoluto. Roncalli poria fim à maior parte das marcas do papado imperial,
acabando com elementos como a coroação de cinco horas e a exigência de que os
católicos ajoelhassem diante de si e de que os seus auxiliares guardassem silêncio
na sua presença. Os que apreciavam a nova simplicidade referiam-se à mudança
dramática de estilo como desestalinização do Vaticano. Mas um Nobre Negro ecoou
a opinião daqueles que consideravam que as reformas retiravam dignidade ao
cargo. Parece que o papa tenta introduzir na Igreja um pouco da democracia que
se tem revelado tão desastrosa em toda a parte. O cardeal Siri de Génova, o
principal candidato tradicionalista no conclave, e Spellman também se mostravam
preocupados por verem que o aprazível Roncalli não partilhava a sua paixão de
combatentes na Guerra Fria. A CIA tinha as mesmas preocupações, concluindo que
o papa João era politicamente ingénuo e indevidamente influenciado pelo punhado
de clérigos liberais com quem se mantinha em contacto próximo. O novo papa
acreditava que a Igreja deveria manter-se distante da política secular. Foi uma
mudança dramática depois de Pio XII ter desempenhado um papel crucial nas eleições
italianas de 1948, permitindo à Acção Católica a mobilização de votos e
chegando mesmo a ocupar-se pessoalmente de iniciativas como o transporte em
autocarro de freiras no dia da votação, dos conventos até às mesas de voto. João
XXIII, ao invés, afastou a Igreja da sua parceria íntima com os
democratas-cristãos. O novo pontífice não via o comunismo como uma ameaça
mortal. Spellman e Siri recearam que um papel passivo da Igreja criasse uma
oportunidade para o aumento do poder da esquerda. Mas, antes de haver alguma
oportunidade de testar as credenciais de João XXIII como combatente na Guerra
Fria, a 15 de Novembro, meros onze dias após a coroação, Bernardino Nogara
morreu de colapso cardíaco aos oitenta e oito anos de idade. A notícia do seu
falecimento acabou por se perder no rescaldo da eleição de um novo papa,
merecendo apenas algumas linhas num punhado de jornais. Mas a morte de Nogara acabou
por ser um momento fulcral para Maillardoz, Spada e Mennini, que tinham passado
a gerir as finanças da Igreja segundo o modelo que criara. Mostraram-se
apreensivos com a eleição de Roncalli. A especulação grassava acerca da
possibilidade de o novo papa nomear apoiantes leais para posições de relevo, não
ajudava que, quando questionado sobre o número de pessoas que trabalhavam na
Cúria, o novo papa tivesse respondido: cerca de metade.
Apenas
três meses após tomar posse, João XXIII chocou o mundo ao convocar o segundo
Concílio Vaticano nos dois mil anos de História da Igreja. Todos os seus cardeais,
prelados e dois mil e quinhentos bispos tiveram de rumar a Roma para participar
em discussões amplas acerca da possível mudança de tudo, incluindo a liturgia,
a forma de selecção dos bispos e a redução do poder da Cúria. Mesmo que não
começasse até ao ano seguinte, confirmou o receio de Spellman, Siri e outros de
que o aprazível João fosse, no mínimo, imprevisível. Mas, para alívio de
Maillardoz, Spada e Mennini, o novo papa não interferiu com o IOR nem com a
Administração Especial. Os vaticanologistas interpretaram a elevação de di Jorio
a cardeal como apoio da sua gestão do IOR. Até os sobrinhos de Pio mantiveram
os seus postos. Em contraste profundo com Pio, o papa João não tinha reputação
de pretender gerir a instituição a que presidia até aos mais ínfimos
pormenores. Durante o tempo que passou como cardeal de Veneza, tornou-se conhecido
como um supervisor calmo e descontraído que sentia aversão pela administração,
permitindo que assistentes capazes se ocupassem da burocracia da diocese. Não
se sentia confortável com finanças ou até discutindo dinheiro. Maillardoz,
Spada e Mennini estavam por sua conta.
Um dos
primeiros passos que deram foi o reforço das reservas do IOR aproveitando a
necessidade de terras do governo italiano para organizar os Jogos Olímpicos de
1960. venderam algumas das propriedades romanas da Igreja ao Comité Olímpico
Italiano. A Igreja detinha mais de novecentos e quarenta milhões de hectares de
propriedade à volta de Roma, tornando-a não só o maior proprietário de terras
depois do governo, mas também o único Estado soberano do planeta cujo
território era mais amplo fora das suas fronteiras. O vaticano vendeu terra
suficiente a preços elevados para permitir aos italianos construir quinze
estádios e concluir as obras no Aeroporto Internacional Leonardo da Vinci em
Fiumicino. A esquerda política criticou os preços demasiados elevados. Por isso,
quando o governo precisou de mais terra para construir a Autoestrada Olímpica que
ligaria os complexos desportivos distantes, o Vaticano voltou a lucrar, usando
dessa vez uma empresa de fachada para providenciar as propriedades necessárias.
Mas os sucessores de Nogara não tinham ilusões. Perceberam que os ganhos
volumosos com os preparativos frenéticos dos Jogos Olímpicos eram um evento
isolado. Teriam de aplicar os princípios de Nogara acerca da acumulação regular
de lucros através de investimentos cautelosos. Acolheram a crença de Bernardino
de que o futuro das finanças do Vaticano residia nos homens de confiança. Essa
decisão levaria a criação bem-sucedida de Nogara ao limiar da ruína, maculando
durante o processo o próprio Vaticano». In Gerald Posner, Os Banqueiros de Deus,
2015, Editora Self-Desenvolvimento Pessoal, 2015, ISBN 978-989-878-155-0.
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