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«A Idade
Média é um dos períodos da História que mais paixão desperta no público em
geral. Muitos dos leitores ávidos por obras de divulgação e de ficção histórica
sentem um verdadeiro fascínio pela força épica e pelo exotismo que envolvem esta
época. Quem nunca se imaginou no papel de um dos poderosos guerreiros que povoaram
aqueles séculos, como uma dama que em determinado momento mudou o destino de
reinos inteiros ou como um dos reis míticos cujas lendas ainda hoje ecoam? Cid,
Leonor de Aquitânia ou o rei Artur são apenas algumas das muitas figuras que
poderiam facilmente ilustrar esses arquétipos e cujas peripécias fizeram correr
rios de tinta. Porém, a realidade costuma ser bem mais prosaica. Os profissionais
da História empregam boa parte do seu esforço a desmentir os tópicos mais ou menos
fundamentados que são reproduzidos à saciedade e que obedecem mais às inquietações
dos nossos dias do que ao conhecimento que temos do passado. Frequentemente,
basta observar com olhos mais atentos para nos darmos conta de que aquilo que costuma
apresentar-se como tempo heróico e formidável pode ser bem mais complexo e menos
louvável do que se pensara num primeiro momento.
A Noite
dos Tempos
Se o
leitor contemporâneo tivesse nascido no século XI, o mais provável era não ter sido
nem guerreiro, nem dama nobre, nem rei. Como nos séculos anteriores, a maioria da
população vivia no (e do) campo, no que constituía uma luta diária pela subsistência
com um equipamento técnico pobre e limitados conhecimentos agrícolas. A sua vida
era habitualmente muito curta (estima-se que, por volta do ano 1000, a esperança
de vida não chegaria aos 22 anos) e que cerca de um quinto das crianças que
nascia viva não atingia um ano. Nada que pareça digno de inveja. Se sobreviver já
era só por si difícil o contexto não o facilitava de modo nenhum. A Europa encontrava-se
então num momento muito delicado. O tempo em que os seus habitantes podiam contar
com um poder forte que os socorresse e governasse tinha passado. Carlos Magno, no
começo do século IX, foi o último monarca a levar a cabo a reconstrução de um Estado
inspirado no Império Romano. Embora não tenha alcançado os mesmos deslumbrantes
resultados, conseguiu impor uma administração imperial da Itália e dos Pirenéus
até ao mar do Norte, nos actuais Países Baixos e na Alemanha Ocidental. Mas o sonho
deste império, que conhecemos com a designação de Império Carolíngio, pouco
tempo durou após a morte do seu fundador. Depois do breve reinado do seu filho,
Ludovico Pio, os seus sucessores partilharam o território, envolvendo-se numa série
de conflitos e de divisões que apenas serviram para evidenciar a sua fragilidade.
Mas o pior ainda estava por vir. Embora não o suspeitassem estavam prestes a sofrer
um golpe que se transformaria numa terrível prova. Em finais do século IX, várias
ameaças externas, que não eram de todo desconhecidas e cujo poder destrutivo já
se intuía materializaram-se abatendo-se sobre a maltratada Europa. Os historiadores
costumam designar a série de agressões que então se produziram de segundas invasões,
lembrando as que nos séculos IV e V precipitaram o fim do Império Romano.
Os primeiros
protagonistas destas acções vieram do Norte. Os viquingues eram um povo de
guerreiros e pescadores que habitava a Península da Jutlândia e o Sul da
Escandinávia. Naquele momento, muitos deles entregaram-se à pirataria e desferiram
uma brutal acção depredadora ao longo dos litorais atlântico e mediterrânico.
As suas façanhas foram além dos fabulosos despojos obtidos nessas incursões. Através
de várias campanhas bem organizadas, conseguiram apropriar-se de algumas regiões
nos reinos da Inglaterra e da França, nos quais se foram instalando. A Normandia
tornou-se especialmente apelativa para os viquingues; esse território (elevado à
categoria de ducado) foi-lhes concedido pelo rei da França em troca da sua
conversão ao cristianismo e depois de lhe jurarem fidelidade. Embora os ataques
viquingues tivessem terminado no ano 930, a sua assombrosa epopeia prolongou-se
por mais anos. Passado um século, os descendentes dos normandos que se tinham
mudado para a Sicília, com o intuito de se oferecerem como mercenários aos governantes
bizantinos e muçulmanos, apropriaram-se da ilha e do Sul da Itália, criando então
um reino novo com o apoio do papa». In History, História, Canal de História, 2015,
Penguin random House, Clube do Autor, Lisboa, 2016, ISBN 978-989-714-300-4.
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