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«(…)
O médico pôs de lado o dossiê e cruzou os braços, sem deixar de a fitar. O peito
dele ergueu-se quando respirou fundo. Devia ter alguma coisa desagradável para lhe
dizer. Madeleine, alegra-me muito, não, alegra-nos a todos muito que estejas melhor.
Mas permite-me uma pergunta. E, por favor, não fiques irritada com ela. Como teu
terapeuta, devo fazê-la muito directamente. Madeleine acenou afirmativamente com
a cabeça, sentindo-se irritada. Nunca o vira assim em todas as conversas que haviam
mantido. Ele, um polo de tranquilidade e refúgio de confiança, parecia estar tenso
pela primeira vez. E a voz era de séria preocupação. De repente, Madeleine sentiu-se
inquieta. Sim, claro, respondeu, com uma serenidade fingida. Pergunte à vontade!
O terapeuta endireitou as costas e tossicou, cerimoniosamente. Madeleine, começou
então, observando-a com uma expressão mais intensa do que antes. Engordaste? Madeleine
até pensou ter percebido mal. Abriu a boca e fechou-a. Tentou escutar o eco das
palavras dele, apesar de não haver eco na sala. Ele teria realmente..., falado em
engordar» Não me percebas mal, prosseguiu o dr. Reid, parecendo sentir-se
desconfortável.
Mas quando
vieste ter connosco, eras uma rapariga muito magra e atraente. Muito mais
bonita do que todas as outras. E agora estas aí sentada com o teu sorriso de autossatisfação,
uma papada, barriguinha, como se pretendesses... O médico fez uma pausa e inclinou-se
ligeiramente para ela. Desculpa a sinceridade: é de engordar que se trata! Com as
últimas palavras, a expressão no seu rosto transformou-se em repugnância. Madeleine
sentiu um aperto na garganta e o coração a bater dolorosamente contra as costelas,
o que durante muitos anos fora um sinal evidente da sua má condição física. Sentiu
uma impressão azeda a subir-lhe à boca e reprimiu um vómito com dificuldade. A
mão quente do terapeuta pousou-lhe no joelho. Madeleine, disse-lhe ele, num tom
compadecido, aqui queremos curar-te. Mas, ao mesmo tempo, não queremos fazer de
ti uma pessoa presunçosa. Se fores odiosa e gorda, a tua saúde psíquica não te
servirá para nada no mundo vulgar que existe lá fora. O mundo é mau, Madeleine.
Não te esqueças disso.
Madeleine
olhou para a testa franzida do médico, que brilhava tenuemente à luz amarelada do
candeeiro da secretária. Sentiu a náusea a aumentar. Seria um teste? Nos olhos do
dr. Reid procurou discernir algo que pudesse revelar que tudo não passava de uma
brincadeira. Ou de uma simples prova de que ela entretanto se fortalecera. Mas
nada descobriu no olhar dele que diminuísse a crueldade das suas palavras. Ele
parecia, no entanto, seriamente preocupado com ela. E talvez mesmo triste. Todo
o seu corpo se contraiu. Não dera por ter engordado. E Brian? Porque é que ele não
dissera nada? Preferia mulheres gordas? Estaria na clínica para tratamento e não
por causa da droga, como chegara a contar-lhe? Seria um pervertido fetichista? Ela
tinha de se ir embora! Levantou-se de um salto e quase correu para a porta nas suas
pernas trementes. Fez apelo a todas as suas forças para rodar a maçaneta da porta.
O chão oscilou sob os seus pés como se fosse o convés de um navio debaixo de uma
tempestade violenta». In Tibor Rode, O Vírus Mona Lisa, 2016,
Topseller, 20/20 Editora, 2016, ISBN 978-989-883-989-3.
Cortesia de
Topseller/20/20E/JDACT