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Chegara a altura da audição da sua mãe àqueles que pretendiam apresentar
pedidos e aos amigos, e subitamente ali estava ele, nos seus melhores trajos,
de barba penteada, os olhos a dançar, e toda a história contada: como se haviam
vestido com roupas árabes, de modo a passarem por habitantes da cidade no meio
da escuridão, entrado sub-repticiamente pela porta das traseiras, corrido até à
mesquita, como se haviam ajoelhado e sussurrado uma Ave-Maria e fixado com um
punhal a oração, no chão da mesquita, e depois, ao serem surpreendidos por
guardas, haviam lutado para escapar, cara a cara, investindo e defendendo-se,
as lâminas reluzindo à luz da lua; recuado pela rua estreita, saído pela porta
que haviam forçado alguns momentos antes, e escapado para a noite, antes de ser
dado o alarme geral. Sem um arranhão, sem perder nenhum homem. Um triunfo para
eles e uma bofetada no rosto de Granada.
Era uma grande partida pregada aos Mouros, era bastante
engraçado gravar uma oração cristã em pleno coração do seu lugar sagrado. O
gesto mais maravilhoso para os insultar. A rainha estava encantada, assim como
o rei, a princesa e as irmãs olhavam para o seu guerreiro, Hernán Pérez del
Pulgar, como se fosse um herói dos romances, um cavaleiro da época de Artur de
Camelot. Catarina batia as palmas deliciada com a história, e pedia-lhe que a
contasse e recontasse, vezes sem conta. Mas no seu íntimo, lá bem no fundo,
recordava o arrepio que sentira ao pensar que ele não voltaria.
A seguir, aguardaram a resposta dos Mouros. Era seguro que
viria. Sabiam que o inimigo encararia a aventura como o desafio que era, iria
haver resposta. Não tardou muito. A rainha e os filhos visitavam Zubia, uma
aldeia perto de Granada, para que Sua Majestade pudesse ver, por si mesma, as
paredes inexpugnáveis do forte. Haviam cavalgado com uma guarda ligeira e o
comandante estava lívido de terror quando correu na sua direcção, na pequena
praça da aldeia, e gritou que os portões do forte vermelho se haviam aberto, e
os Mouros saíam disparados, o exército completo, armados para atacar. Não houve
tempo para voltar ao acampamento, a rainha e as três princesas nunca
conseguiriam cavalgar mais depressa do que os cavaleiros mouros, que montavam
garanhões árabes, não havia nenhum lugar para se esconderem, nem sequer para
pararem.
Numa corrida desesperada, a rainha Isabel subiu para o terraço
da casa mais próxima, puxando a princesinha pela mão, pelas escadas que se
desfaziam, com as irmãs a correrem atras. Tenho de ver! Tenho de ver!,
exclamava. Madre, estais a magoar-me! Silêncio, filha. Temos de ver o que
pretendem. Vêm buscar-nos?, choramingava a criança, com a vozinha abafada pela
sua própria mão rechonchuda. Podem vir. Tenho de ver. Era um grupo de atacantes,
não a cavalaria completa. Eram liderados pelo defensor, um gigante, escuro como
mogno, de sorriso reluzente sob o elmo, montado num enorme cavalo negro, como
se fosse a Noite, cavalgando para os surpreender. O cavalo rosnava como um cão
para o guarda de vigia, com os dentes de fora.
Madre, quem é aquele homem?, perguntava num sussurro a
Princesa de Gales, observando do ponto protegido no terraço da casa. É o mouro
que se chama Yarfe, e temo que tenha vindo buscar o teu amigo, Hernán. O cavalo
dele é tão assustador, parece que quer morder. Cortou-lhe os lábios para fazer
com que rosne para nós. Mas não nos assustamos com estas coisas. Não somos
crianças assustadiças. Não devíamos fugir?, perguntou a criança assustada. A
mãe, observando o desfile dos mouros, nem sequer ouvia os murmúrios da filha. Não
ides deixá-lo magoar Hernán, pois não. Madre?, choramingava a criança.
Hernán lançou o desafio. Yarfe está a responder. Teremos de
lutar, disse, calmamente. Yarfe é um cavaleiro, um homem de honra. Não pode
ignorar o desafio. Como pode ser um homem de honra, se é um herege? Um mouro? São
homens muito honrados. Catarina, apesar de não serem crentes. E Yarfe é um
herói para eles. Que ides fazer, mãe? Como vamos salvar-nos? Este homem é
grande como um gigante. Vou rezar, afirmou Isabel. E o meu defensor, Garallosco
Vega, vai responder a Yarfe, por Hernán. Tão calmamente como se estivesse na
sua capela em Córdova, Isabel ajoelhou-se no terraço da pequena casa e indicou
por gestos às filhas que fizessem o mesmo. Contrariada, a irmã mais velha de
Catarina, Joana, pôs-se de joelhos, as princesas Isabel e Maria, as suas duas
outras irmãs, imitaram-na. Catarina viu, espreitando por entre as mãos
cerradas, enquanto se ajoelhava em oração, que Maria tremia de medo e que
Isabel, no seu vestido de viúva, estava pálida de terror.
Pai-nosso
que estais no Céu, rezamos pela nossa segurança, pela da nossa causa e pela do
nosso exército,
a rainha Isabel levantou o olhar para o céu azul brilhante, rezamos pela
vitória do Nosso Defensor, Garallosco Vega, neste seu momento de provação. Amém, disseram as
raparigas prontamente, seguindo a direcção do olhar da mãe para onde as
fileiras da guarda espanhola se formavam, atentas e silenciosas. Se Deus o
proteger...,
começou Catarina. Silêncio, pediu a mãe gentilmente. Deixa-o fazer o seu
trabalho, deixa Deus fazer o Seu e deixa-me fazer o meu. Fechou os olhos em
oração. Catarina voltou-se para a irmã mais velha, puxando-lhe a manga». In Philippa Gregory,
Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006,
ISBN 978-972-262-455-8.
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