segunda-feira, 31 de julho de 2017

No 31. Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Se triste vou às danças, triste venho; e quando a noite estende húmido manto, a segurar o sono em vão me empenho»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Aniversário de 3 de Março
«Ao som da lira
a dor exponho,
versos componho
filhos da dor.

Gemendo as Musas,
Apolo em pranto
meu triste canto
faça escutar.

De Orfeu saudoso
o plectro invoco,
meu peito rouco
segui-lo quer.

Ah! Se eu pudesse,
rompendo o Averno,
ao sono eterno
ir-te arrancar!...

Ah! Se eu pudesse,
qual outra Alceste,
ao sítio agreste
ir-te buscar!...

Iria afoita,
de ânimo forte;
com a mesma morte
fora lutar».


No dia dos meus anos
«Dia cruel, no qual ao bem resiste
a memória de uns anos desgraçados,
ou brilha vencedor de injustos fados,
ou não tomes a vir como hoje, triste.

Porém que digo? Céus! Em que consiste
o emprego dos meus votos inflamados,
se dos terrenos bens tão desejados,
além da morte, nem um só persiste?

Dure pois muito embora esta violência,
que o peito martiriza sem piedade,
que eu assaz me contento da inocência.

E para a verdadeira utilidade,
receberei, entregue à paciência,
saudáveis lições na adversidade.

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão temos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, fonte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! Que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.

Como, importuno Amor, ainda procuras
misturar-te entre as minhas agonias?
vai, cruel, para onde os alegrias
no seio da Fortuna estão seguras;

Onde em taças douradas, formosuras,
esgotando o prazer, passam seus dias;
onde acariciado tu serias
por quem nem sabe o nome às desventuras.

Ao som de harmoniosos instrumentos,
no peito, que é de pérolas ornado,
criarás mil suaves sentimentos;

Mas em mim, que sou vítima do fado?!...
Cercada dos mais ásperos tormentos,
achas uma alma só – e um só cuidado.

Bem pode sobre o cândido Oriente
soltar Febo os cabelos douradores,
que quem vive como eu, vê sempre as flores
tintas da negra cor do mal que sente.

Para mim não há prado florescente,
tudo murcham meus ais, meus dissabores,
nem me tornam cantigas dos Pastores
jamais serena a pensativa frente.

Se triste vou às danças, triste venho;
e quando a noite estende húmido manto,
a segurar o sono em vão me empenho.

Não toco a flauta, versos já não canto;
cercada de pesar, mais bem não tenho
que um triste desafogo em terno pranto.

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objetos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
Fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
Porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

JDACT

No 31. O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária. Nuno V. Oliveira. «Ele, ao viajar por toda a Europa, onde a sua presença era muitas vezes requerida, sempre foi, aliás, um peregrino pela Fé, um homo Viator»

Cortesia de wikipedia e jdact

 «(…) Neste último parágrafo o abade de Claraval parece falar não apenas para os homens da igreja mas também, e de modo directo, para os próprios guerreiros. Aliás, a guerra é, para ele, desenvolvida em vários locais. Um desses lugares de combate é o mosteiro, outro é o reduto defensivo, o castelo. Nas palavras de J. M. de la Torre, a liturgia do monge, segundo São Bernardo, (tal como a do cavaleiro), deve ser uma busca autêntica, contínua e perseverante, numa atmosfera de combate. A própria formação do abade de Claraval, iniciado no espírito da cavalaria, projectando um ideal de amor cortês através do culto da Virgem Maria, reflecte uma influência dos mitos e lendas do ciclo bretão e arturiano. Para René Guénon, ele é o protótipo de Galaaz, o cavaleiro ideal e sem mancha, o herói vitorioso da “demanda do Santo Graal. São Bernardo, monge da contemplação e da acção, inspirador não apenas da ordem cisterciense, mas também do Templo, assume uma dupla missão, quer no plano espiritual e religioso, contribuindo para uma Igreja mais purificada e ascética, quer no plano temporal, através do ideal templário e da pregação de uma nova Cruzada, para o Oriente e para o Ocidente peninsular, em lugares onde se firmava o Islão.
Neste ambiente de luta espiritual, compreende-se o empenho que o abade de Claraval demonstra em encorajar a Ordem dos Templários, que Hugues de Payns, seu primo, tinha fundado, uma estrutura militar de alma cisterciense, constituída por profissionais de armas encarregados da defesa dos Lugares Santos, juntando o combate com a oração. Através dela o abade de Claraval não pretende derramar o sangue dos opositores da fé cristã, mas atender à defesa da herança espiritual da Cristandade, a Terra Santa, ameaçada pelos ataques muçulmanos, impede que essa defesa se faça sem acudir às armas. Esta doutrina do perigo latente no lugar onde Cristo venceu pelo seu sangue levou São Bernardo a esgrimir com a sua pena o Elogio da Nova Milícia onde reconhece que a ele próprio, como religioso, lhe está vedado o emprego das armas. O carácter castrense dos Templários, a militia por excelência, traduziu-se numa nova atitude perante a guerra, associando-a directamente a uma forma diferente de encarar a vida monástica. Até à sua formação, as ordens religiosas cristãs no Oriente não se dedicavam a funções militares, estando a sua acção restrita ao apoio a peregrinos. O novo instituto nasce com o objectivo claro de defender o Reino Latino de Jerusalém, numa vivência pautada por um clima de guerra permanente contra os seus inimigos. Nesta conjuntura, após a queda de Edessa, em 1144, deve ser igualmente destacado o empenhamento pessoal do abade de Claraval na Segunda Cruzada. Esta nova acção da Cristandade, a que muitos chamam a Cruzada cisterciense, foi apresentada por São Bernardo como uma oportunidade especial de salvação para aqueles que tomavam a cruz, conseguindo transformar as reticências iniciais da aristocracia naquilo a que André Vauchez designa por uma catarse colectiva, uma aventura do espírito, uma peregrinação santificadora.
No Tratado sobre as glórias da nova milícia, poderoso opúsculo apologético e teológico, São Bernardo utiliza uma linguagem crítica virulenta quando descreve os soldados orgulhosos e bem aparelhados, em contraste com os novos monges soldados, pobres, castos e obedientes. Encontramos de um lado esse exército que não é uma militia, mas antes uma malitia, feita de decadentes guerreiros de cabeleiras longas, de escudos pintados e de esporas de ouro. Ao invés, os cavaleiros de Cristo, que nada possuem de próprio, que nunca se aprumam, negligenciando a barba e o cabelo, cobertos de pó, negros do sol que os abrasa e da malha que os protege. Também é interessante verificar que, nessa obra, São Bernardo compõe, como refere Jean Leclercq, um guia para os viajantes na Terra Santa: mais do que animar os guerreiros, ele conduz uma peregrinação. Ele, ao viajar por toda a Europa, onde a sua presença era muitas vezes requerida, sempre foi, aliás, um peregrino pela Fé, um homo viator. Segundo a sua descrição, não confirmada na sua totalidade, os cavaleiros eram responsáveis por quase todos os lugares sagrados para os cristãos: o Templo de Jerusalém, Belém, Nazaré, o monte das Oliveiras, o vale de Josaphat, o Jordão, o Calvário e o Sepulcro. Sabe-se, no entanto, que a rota entre Jerusalém e Jericó, assim como o lugar do baptismo de Cristo no rio Jordão, estavam muito bem defendidos pelos Templários. Com um estilo literário pujante, São Bernardo opõe a nova cavalaria, os Templários, à cavalaria secular, isto é, a todas as outras. Esta nova cavalaria conduz um duplo combate, contra a carne e contra os espíritos da malícia espalhados nos ares. Para o novo cavaleiro, Cristo é a sua vida; Cristo é a recompensa da sua morte. Percebemos, assim, que o abade de Claraval justifica o trabalho do soldado apoiado no ensinamento de Cristo, desenvolvendo a ideia de guerra defensiva em torno da Terra Santa, lugar que representa a herança e casa de Deus, ameaçada pelos infiéis». In Nuno Villamariz Oliveira, O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT

No 31. A Criança na Sociedade Medieval Portuguesa. Ana Rodrigues Oliveira. «Uma tal medida, que retirava aos progenitores ou aos familiares a exclusiva decisão do futuro conjugal dos respectivos filhos ou parentes, insere-se no conjunto das medidas que os eclesiásticos desenvolveram»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A preocupação evidenciada pela legislação canónica em considerar a especificidade jurídica das crianças nem sempre teve como objectivo a respectiva protecção. De facto, uma parte significativa das normas produzidas nesse contexto destinou-se a proteger os adultos das consequências de uma considerada falta de responsabilidade social e religiosa por parte das crianças, a qual seria tanto mais grave quanto mais jovem elas fossem. Nesse sentido, os canonistas preocuparam-se, sobretudo, em enunciar as incapacidades jurídicas que deveriam atingir os não adultos, com vista à preservação do bom funcionamento das instituições eclesiásticas.
Por um lado, preconizaram a exclusão dos pré-adolescentes de todas as eleições destinadas a escolher responsáveis pelos cargos e funções diocesanas, devendo-se a Bonifácio VIII (1294-1303) a norma canónica que passou a fixar os catorze anos como idade mínima requerida para esse efeito, a qual, de resto, foi depois ampliada por Clemente V (1305-1314), quando exigiu a prévia condição de sub-diácono aos participantes em tais sufrágios, ou seja, nunca antes dos dezoito anos. Por outro lado, os canonistas também começaram a expressar a opinião da necessidade de se restringir às crianças o usufruto directo e imediato de direitos familiares de padroado e de eleição do local de sepultura, visto ambos implicarem um problemático acesso a bens e rendimentos eclesiásticos. Nesse sentido, duas decretais de Bonifácio VIII determinaram que as crianças menores de sete anos apenas poderiam reivindicar a satisfação dos direitos de padroado herdados dos pais por intermédio de uma tutoria juridicamente reconhecida, o mesmo sendo necessário no caso de pretenderem contestar a escolha familiar prévia do seu futuro lugar de sepultura e, nesse caso, apropriar-se dos bens e rendimentos que já tinham sido entregues à instituição religiosa antes designada para esse efeito.
Aliás, a salvaguarda do património eclesiástico relativamente a actos ou decisões tomadas por crianças consideradas muito influenciáveis e sem suficiente discernimento  jurídico também foi objecto das decisões canónicas que impuseram a entrada na adolescentia como condição necessária ao exercício da capacidade de depor ou citar em justiça. No primeiro caso, só aos catorze ou aos doze anos, conforme se tratasse de um rapaz ou de uma rapariga, é que os jovens podiam ser ouvidos em causas cíveis, enquanto para as causas criminais se passou a exigir a idade da passagem da adolescentia para a juventus como limite mínimo para testemunharem em juízo. Reservava-se, contudo, a excepção no caso de não haver qualquer outra possibilidade de prova, de poderem ser ouvidos ainda durante a adolescentia, não sendo porém o seu testemunho prestado sob juramento e funcionando apenas como indício a ter em conta para a resolução da sentença a dar ao crime em julgamento, conforme, aliás, refere, no século XIV, o bispo de Silves, frei Álvaro Pais, no seu Estado e Pranto da Igreja.
Em relação ao segundo caso, acabou por prevalecer o princípio da negação aos infantes de qualquer direito de acusação em justiça, visto, nas palavras do canonista atrás referido, não saberem “o que vêem. De resto, nem durante a adolescentia deveriam as crianças ser consideradas capazes de promover uma acção judicial que visasse matérias temporais, havendo que atingir a juventus para poderem desencadear um litígio que envolvesse a denúncia de delitos situáveis fora da esfera dos bens ou benefícios espirituais, já que só relativamente a esses, entre os quais se incluíam os casos de casamento, entrada na vida religiosa ou direito de padroado, lhes era reconhecido o direito de citar em justiça.
Porém, embora os canonistas da Baixa Idade Média se tenham preocupado com o desenvolvimento de uma legislação orientada para a discriminação negativa dos direitos das crianças, não deixaram de agir em ordem à sua protecção jurídica, tal como sucede em relação aos esponsórios, à sua entrada na vida religiosa e à questão da respectiva responsabilização criminal. No que se refere à primeira matéria, foi com Gregório IX (1227-1241) que se consagrou o princípio da validação jurídica dos esponsórios das crianças prometidas em casamento pelos pais, muitas vezes antes dos sete anos de idade, passando a fazer depender a sua futura transformação num matrimónio do consentimento dos noivos quando chegados à idade da puberdade, salvo no caso da existência de uma união carnal prévia e precoce.
Uma tal medida, que retirava aos progenitores ou aos familiares a exclusiva decisão do futuro conjugal dos respectivos filhos ou parentes, insere-se no conjunto das medidas que os eclesiásticos desenvolveram, desde o século XII, para sacralizar o matrimónio. De facto, é neste contexto que os contratos de casamento deixaram de ser apenas considerados como meros actos de gestão familiar de alianças de parentesco para passarem também a significar decisões religiosas que deviam envolver a concordância e a responsabilização individual dos cristãos que as protagonizavam, não sendo as mesmas concebíveis antes de eles atingirem a puberdade, porque só então poderiam validar ou rejeitar conscenciosamente os compromissos de conjugalidade que haviam sido feitos em sua intenção». In Ana Rodrigues Oliveira, A Criança na Sociedade Medieval Portuguesa, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT

domingo, 30 de julho de 2017

Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «Receosas dos Mantos Vermelhos, elas passaram a tecer e a cozer dentro de casa, enquanto o almocreve vendia nas ruas os produtos, trazendo comida de volta»

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O Assassin de Lisboa 1142-1143
«(…) O grupo de homicidas reunia-se nos túneis da mina da Adiça e, quando o ferido expirou, Mem examinou-o e ao seu falecido companheiro, concluindo que os dois não passavam de antigos salteadores. Depois, dirigiu-se à casa onde as três irmãs se tinham enfiado, ao fundo da ruela. Bateu à porta, elas abriram-na e ele disse-lhes que o perigo passara, mas, sendo três raparigas moçárabes, era evidente que o ataque podia repetir-se. Assustadas, pois eram órfãs de pai e mãe, Ália, Élia, Ília pediram-lhe ajuda e Mem aceitou ficar em casa delas, que nessa noite lhe cozinharam pão de ló, açordas e pão folhado. Depois disso e durante todo o verão seguinte, Mem viveu com as três irmãs, protegendo-as, enquanto mais cristãos e moçárabes continuavam a morrer.
O discurso contra a selvajaria moral da cidade acabou por prevalecer, pois os Mantos Vermelhos não só haviam ganho popularidade entre os muçulmanos, como tinham conseguido impor costumes antigos, o que agradava ao velho wali e até ao almoxarife, que assim cobrava mais impostos. No princípio do Outono, aquela vanguarda ética e sangrenta era já estimada por partes da população, sobretudo pelos maridos chifrados do passado e pelas autoridades religiosas sarracenas, que finalmente viam uma inesperada calma substituir a anarquia anterior. Agora, quem desejasse a luxúria teria de praticá-la em casa e não à frente de toda a gente.
De forma enviesada, Mem beneficiou dessa onda moralista que obrigava todos ao recato. Vendo-se sem possibilidades de frequentar soldadeiras, que haviam desaparecido, ou de aceitar os avanços das mulheres mais afoitas, nas ruas, que se haviam suspendido, dedicou-se às três irmãs, que confiaram tanto nele ao ponto de se enamorarem.
Se tendes três, tomai uma de cada vez. Receosas dos Mantos Vermelhos, elas passaram a tecer e a cozer dentro de casa, enquanto o almocreve vendia nas ruas os produtos, trazendo comida de volta. Gratas, ao fim do primeiro mês as irmãs Ália, Élia e Ília combinaram dar-se ao almocreve. Ália oferecia-se à terça, Élia à quinta, Ília no sábado, e foi nos braços e nos mimos daqueles três anjos cúmplices que Mem dissolveu o seu amor à princesa Zaida.
Este terno arranjo só foi perturbado quando correu a notícia de que os Mantos Vermelhos iam realizar uma procissão em Lisboa, exibindo a relíquia cristã com a qual matavam os seguidores de Cristo, bem como os que se haviam convertido falsamente ao Islão. O bando de facínoras perdera a vergonha e, com o apoio do wali e do almoxarife, ia apresentar-se com orgulho ao povo lisboeta. Receando pela vida das três irmãs, Mem obrigou-as a permanecerem em casa, mas foi observar o medonho espectáculo nas ruas. Como já calculava, a maioria dos Mantos Vermelhos eram bandidos e ladrões, pederastas ou desertores, mas Mem viu caras conhecidas, trinta feddayins de Ismar, provavelmente fugidos depois da batalha de Ourique. Juntamente com alguns normandos, talvez antigos piratas, compunham um grupo sinistro, sendo o mais assustador o chefe, o tal Orimar, a quem chamavam também a Pústula, pois o seu corpo apresentava-se coberto de chagas e pus». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.

Cortesia da CasadasLetras/JDACT

Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «No entanto, esses seis rapazes, que por vezes apareciam em Tui, raramente eram o alvo das atenções da avó, sempre desligada e arisca, só confortando a existência do avô»

jdact

A intriga de Compostela 1140-1142
«(…) O Trava permaneceu silencioso, ligeiramente enjoado com o excesso de incenso que pairava na catedral, mas sobretudozangado com a impossibilidade de lutar numa batalha onde poderia finalmente eliminar Afonso Henriques. Toldado pela ira que sempre o consumia, o importante nobre galego demorou a aceitar que a língua viperina dos homens pode ser bem mais eficaz do que as lanças pontiagudas que usam nos combates.
Meus queridos filhos e netos, foi, portanto, assim que renasceu a intriga de Compostela, uma perturbadora história que me perseguiu durante anos, não só porque punha em causa a identidade do meu melhor amigo e em breve rei de Portugal, mas também porque a sua fantasmagórica sombra me envolvia. Se aquela ignóbil fraude fosse verdadeira, o mais forte candidato a ser o verdadeiro Afonso Henriques era eu, Lourenço Viegas, o filho mais velho de Egas Moniz! Na ânsia de esclarecer tão doloroso imbróglio, tive de recuar até àquele dia na Catedral de Compostela e ainda mais atrás, à época da morte do pai de Afonso Henriques, reconstituindo o que se passou com a minúcia de um ourives minhoto. Vivi anos atormentado pela mera possibilidade de nas minhas veias correr sangue real portucalense e a minha forte amizade ao meu rei foi posta à prova. Enquanto nascia em Portugal um reino novo, no meu coração morava uma angústia desassossegada, um pesadelo sem fim, que hoje vos começo a contar e que só terminaria quando conquistámos a bela cidade de Lisboa, sete anos mais tarde.

Tui. Maio de 1140
Os meus sogros, Gomes Nunes e Elvira Peres Trava, formavam um casal amargo de improváveis sobreviventes. Amor e perigo não dançam bem juntos e trinta anos depois do matrimónio eles eram dois corações gastos, forçados a uma convivência desagradável, num território fronteiriço fustigado por conflitos turbulentos. Tanta perturbação havia cavado a sepultura onde jazia a ternura mútua inicial, que produzira duas filhas: Maria Gomes, a minha mulher, e Chamoa Gomes, a paixão de Afonso Henriques.
O bom Gomes Nunes nascera portucalense, mas com o casamento recebera o condado de Toronho, uma faixa de terreno entalada entre a Galiza e o Condado Portucalense. Sem grandes riquezas ou tropas, o meu sogro dobrara a cerviz a galegos, leoneses ou portucalenses, numa habilidade permanente mas cansativa, cujo objectivo sempre fora a manutenção do título e do castelo.
Trinta e tal anos antes, desposar uma Trava parecera-lhe um passo sólido e uma certeza de tranquilidade, pois Elvira pertencia à mais relevante estirpe da Galiza. Só que os ventos do destino haviam pregado uma partida ao casal nobre de Tui, e quando Afonso Henriques disputou o Condado Portucalense à mãe e ao amante dela, Fernão Peres Trava, a família dividira-se. Elvira foi para um lado, Chamoa e Maria Gomes para o outro, e mais se abriu o fosso quando a primeira se apaixonou por Afonso Henriques.
Torcidos por tantos imbróglios, os meus sogros já quase não se falavam e não partilhavam a cama. Irrequieta, palavrosa e mandona, Elvira Peres Trava divertia-se com um amante em Compostela e nem se ralava que o marido soubesse, para melhor o humilhar. Quanto ao pacato Gomes Nunes, bonacheirão e pouco dado ao orgulho, vingava-se nas padeiras de Tui, mas nos seus olhos só se via um cobarde temor do futuro. Dizia-se que receava ser envenenado, embora a mestria de minha sogra na cozinha, cuja saborosa categoria posso confirmar, nunca se tenha aliado a uma vontade criminosa.
Infeliz, o meu sogro só amaciava o coração com as ocasionais visitas dos netos. Maria Gomes e eu havíamos tido dois filhos, e Chamoa, quatro, três do seu primeiro marido, Paio Soares, e um quarto de um primo direito, Mem Tougues, também ele um Trava. No entanto, esses seis rapazes, que por vezes apareciam em Tui, raramente eram o alvo das atenções da avó, sempre desligada e arisca, só confortando a existência do avô». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.

Cortesia da CasadasLetras/JDACT

sábado, 29 de julho de 2017

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Se tanto vos aflige o meu sossego que o perturbais por modo tão tirano, matai-me, que a morrer eu não me nego»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
O convento da boa-morte, não longe do qual morava eu então
«O vapor autunal
cobre-o de um véu fatal, Sombrio.
Suspira o vento e nasce o calafrio.

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Vêm aflitos pensamentos,
vêm desde Sintra queixosos,
vagar ternos e medrosos
ao redor de monumentos...
A campa de Isa alvejando,
a escuridão vai cortando...
Dorme a quieta africana...
Dormirá a raça humana...»


Isa, moura sepultada na margem do rio deAlcântara, cuja campa alveja e se percebe de longe
«Não rompe o mundo
Letargo tal, um sono tão profundo.
Da manhã,
para os mortos, a graça, a luz é vã.

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Com teu clarão moderado,
que objecto me estás mostrando?
Que me estás afigurando,
crepúsculo descorado?...
Sombra majestosa e cara,
que nas mãos da Parca avara
enches todo o meu sentido!
És tu, Armínio querido?
Se te retrata a saudade,
apaga as cores a realidade».


O conde de Oeynhausen, marido da autora
«Entretanto,
o teu túmulo lava este meu pranto.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Sobre o teu marmóreo altar,
onde oculto me magoas,
de plátano cinco coroas
venho hoje depositar.
Recebe, Armínio, a mais pura;
duas leve-as a ternura,
do meu choro comovida,
a Márcia, a Lília querida;
aos dois penhores
dos nossos tristes, doces amores,
condoída,
ofereço duas, oferecera a vida.
Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...

Esperanças de um bem tão contingente,
com que fim me andais sempre atormentando?
Se inútil é que eu viva suspirando,
porque me não deixais viver contente?

Ora fingis distante, ora presente
o motivo do mal que estou chorando;
fingi-me, se podeis, ao menos quando
hei de viver feliz, sendo indiferente.

Se tanto vos aflige o meu sossego
que o perturbais por modo tão tirano,
matai-me, que a morrer eu não me nego.

Se tanto vos aflige o meu sossego
que o perturbais por modo tão tirano,
matai-me, que a morrer eu não me nego».
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

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Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «… para o elegerem como primeiro portador da poderosa intriga, crentes de que correria a narrá-la à filha predilecta. Partimos após as exéquias do arcebispo!, ordenou Afonso VII»

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A intriga de Compostela 1140-1142
«(…) O imperador animou-se! Nessa mesma noite, enquanto o arcebispo Gelmires soltava o último suspiro, conferenciou com Fernão Peres Trava, seu conselheiro e um dos nobres mais poderosos da Galiza. No entanto e para surpresa de Afonso VII, o Trava não se excitou com a malícia. Embora fosse dotado de um espírito arguto, quando o assunto era Afonso Henriques o fino galego cegava de ódio puro e suspendia o pensamento lúcido. Fernão Peres nunca perdoara ao príncipe de Portugal a derrota na batalha de São Mamede, nem a forma como este tratara a mãe, colocando-a a ferros numa masmorra. O amor intenso à falecida dona Teresa não passava já de uma saudade forte, mas a raiva ao filho dela perdurava e, nos últimos anos, o Trava tudo tentara para matar Afonso Henriques. Nunca fora bem-sucedido nas suas ignóbeis ciladas, mas não desistia e exclamou: ora, temos é de vencê-lo em batalha e no fim empalá-lo!
Este desejo sangrento e sórdido esbarrou em Afonso VII, que não desejava desperdiçar soldados em mais lutas contra o primo, pois a sua prioridade bélica centrava-se no combate aos sarracenos. Os muçulmanos da Andaluzia dividiam-se em querelas e o califa de Marraquexe, o almorávida Ali Yusuf, retirara as suas tropas da península, para se defender dos ataques constantes dos almóadas em Marrocos. Nunca fora tão óbvia a vulnerabilidade dos mouros andaluzes e o imperador queria conquistar Cória e depois atacar Córdova e Sevilha, para ser o primeiro rei cristão a chegar ao mar, em Almeria.
Mais guerras, só contra os mouros!, proclamou Afonso VII, impondo a sua estratégia intriguista ao Trava, a quem no final perguntou, deveras curioso. Alguma vez dona Teresa vos falou das crianças trocadas? Vaidoso, Fernão Peres aprumou o balandrau verde e endireitou-se, como sempre fazia quando falava da defunta paixão. Tinha duas filhas de dona Teresa e não voltara a amar ninguém como a ela. Nunca!, exclamou, ligeiramente ofendido. O imperador compreendeu. Porque haveria a tia, dona Teresa, de querer que aquele sujo segredo se soubesse? Se o verdadeiro Afonso Henriques tivesse sido trocado, a desonra atingia-a também, prejudicando os seus interesses. A tia preferira o silêncio. Fosse quem fosse o menino, era seu filho e o herdeiro do Condado! E Chamoa?, questionou o imperador.
Sobrinha de Fernão Peres Trava, Chamoa Gomes era filha da irmã deste, Elvira, e de Gomes Nunes, conde de Toronho. Além disso, era irmã da minha esposa, Maria Gomes, e, mais importante ainda, esperava um filho de Afonso Henriques, seu amor antigo. Que interessa o que sabe Chamoa?, resmungou o Trava. O tio embirrava com a sobrinha, desde que esta se enamorara de Afonso Henriques. Mas Afonso VII há anos que admirava e desejava a beldade galega. Chamoa possuía uns olhos verdes luminosos, uns cabelos cor de mel inebriantes, um olhar de corsa indefesa e gentil, um sorriso alegre e empolgante, um peito frondoso e coberto de sardas incandescentes. Um mimo de mulher, uma gostosa fantasia, tão apetitosa para filhar...
As mulheres acreditam muito nestas intrigas, disse o imperador, já entusiasmado. Há que confundi-la! Antes de minar as ideias do papa, dos templários ou dos portucalenses, Afonso VII pretendia baralhar Chamoa, julgando que assim atingiria mais depressa o príncipe de Portugal. Só que o enervado Trava encolheu os ombros, descrente em tal caminho. Chamoa acompanhava sempre Afonso Henriques entre Guimarães e Coimbra, não seria fácil denegrir o amado naquele coração tão dedicado. Sem desistir, o imperador lembrou: O pai dela está em Tui!
Gomes Nunes encontrava-se no seu castelo e podiam ir até lá, na aparência para o obrigarem a prestar vassalagem ao imperador, mas, na realidade, para o elegerem como primeiro portador da poderosa intriga, crentes de que correria a narrá-la à filha predilecta. Partimos após as exéquias do arcebispo!, ordenou Afonso VII». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.

Cortesia da CasadasLetras/JDACT

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária. Nuno V. Oliveira. «Asseguro-vos que embora agora os toleres, se não se emendam sofrerão muito em breve um juízo tão rigoroso quanto terrível é o mal que tramam».

Cortesia de wikipedia e jdact

 «(…) A atitude do abade de Claraval é difícil de compreender. Na verdade, a que se deverá o silêncio de um homem tão empenhado no confronto com o Islão na recusa em elaborar semelhante obra? Poderia o mosteiro de Claraval possuir um conhecimento prévio desses textos muçulmanos? Terá São Bernardo ocultado, dessa forma, o seu interesse, estritamente intelectual, como o do abade de Cluny, por esses escritos? Provavelmente nunca viremos a saber se a sua obra literária terá sido realizada tendo algum contacto com os textos dos seus inimigos espirituais. Quanto ao fundador da ordem cisterciense, Estêvão Harding, de origem inglesa, sabemos que recorreu a sábios judeus para o ajudarem na redacção criteriosa da Bíblia de Cister. Esses intérpretes dominavam os textos hebraicos e, em especial, o Talmude, embora não se saiba se poderiam ler ou falar o árabe. Do que subsiste da biblioteca de Claraval, actualmente dispersa por Troyes e Montpellier, não é possível discernir se ela possuiria qualquer obra traduzida de fontes muçulmanas. A razão desta longa série de observações está relacionada com o conhecimento muito preciso que São Bernardo parece ter tido do Islão e da sua mística guerreira. O Elogio à nova Milícia, em que o abade de Claraval faz a apologia do combatente espiritual, asceta e cavaleiro, assemelha-se de facto ao guerreiro da jihad, o seguidor de Maomé, ele próprio um cavaleiro. Sabemos que o Templo teve como objectivo principal o combate pela defesa da Terra Santa, e que constituiu a resposta cristã à Crescentada, mas ainda pouco se tem investigado as influências que ele eventualmente terá recebido desta, mesmo por uma via de oposição. A expansão da fé através da espada é algo a que se assiste desde Constantino e a ela o nascimento do Islão e o fluxo das Cruzadas muito devem. No entanto, em ambos os casos, esquece-se por vezes que a persuasão exerceu um papel tão importante como o confronto armado. Neste sentido, como enquadrar o emprego da força na afirmação e difusão da verdade religiosa em vez da via menos belicista? A resposta parece advir do facto de o recurso à violência não poder deixar de se exercer quando estão em jogo determinadas circunstâncias fundamentais, como a defesa espiritual dos lugares sagrados, num paralelo com a atitude de Cristo perante os vendilhões do Templo.
Se para o Islão a guerra foi sempre entendida como uma necessidade inerente ao triunfo da sua causa, Maomé promete o Paraíso aos soldados mortos na jihad, para o Cristianismo das origens a recusa da força das armas e da violência foi total. O carácter pacifista era uma realidade nos primeiros séculos da história da Igreja, à imagem de Cristo, que se deixou submeter à autoridade do seu tempo, propagou o amor pelo inimigo e, por fim, preso pelos soldados romanos, não se defendeu e impediu a intromissão dos discípulos, deixando-se crucificar. No entanto, começou a impor-se, do lado dos homens da Igreja, uma nova concepção, baseada fundamentalmente em Santo Agostinho, na qual, mediante certas circunstâncias, como a da invasão de um território pelo inimigo, haveria lugar a uma guerra justa, para o recuperar e punir os criminosos. Esta atitude que emerge dos escritos do bispo de Hipona era baseada, ela própria, no conceito de guerra sagrada que emanava dos textos do Antigo Testamento, vindo a influenciar toda a teologia medieval e, sobretudo, São Bernardo que, como ninguém havia feito antes no Ocidente, veio a valorizar e sacralizar a função militar. O seu objectivo era, então, através de um combate honesto, devolver o território a Cristo, restabelecendo a sua herança, como se os cruzados fossem os novos hebreus em busca da terra prometida. Por isso, o abade de Claraval insiste que os cruzados devem realizar uma conversão interior, ascética e expiatória, antes de partirem para o Oriente. Do mesmo modo, ao dirigir-se aos Templários, permanentes cruzados em vigília, assegura-lhes que a morte de infiéis em batalha leal não é um homicídio, mas um malicídio.
Devemos igualmente tentar compreender o apoio que o santo vai dar à Ordem do Templo. A regra que redigiu para esta e o Tratado apologético sobre as glórias da nova milícia que lhe dedicou demonstram as relações de São Bernardo com a Cavalaria. Se existe um domínio no qual o abade de Claraval esteja devidamente informado é o domínio cavaleiresco. Pelas suas origens na nobreza, ele era conhecedor do mundo dos senhores e dos cavaleiros. Acompanhou-os na sua adolescência, altura em que decide entrar para Cister, conservando ao longo da vida as suas amizades entre a aristocracia laica. Considera os monges como combatentes espirituais, e na sua escrita é fácil denotar um leque variado de imagens associadas à arte da guerra, em que não hesita em considerar Claraval um mosteiro fortificado, uma espécie de cavalaria transfigurada. No seu 3º Sermão da obra In Dedicatione Ecclesiae, o cisterciense compara essa sua casa, a Igreja, à fortificação do rei eterno fustigado pelos seus inimigos. Daí as alusões precisas aos muros, aos fossos, às armas defensivas e ofensivas, aos víveres que é necessário acumular para que o terreno do Senhor resista: irmãos, esta casa é uma fortificação de Deus, sitiada pelo inimigo. Todos os que jurámos sua bandeira e nos alistámos na milícia necessitamos de três coisas para defender esta praça: trincheiras, armas e víveres. Quais são as trincheiras? Escutemos o Profeta: Temos uma cidade forte; estão postas para a salvar muralhas e antemuros. A muralha é a continência e o antemuro a paciência. (...). O mesmo Salvador se converteu em muralha e antemuro da sua cidade. (...). Também devemos ter bem preparadas as armas, as armas espirituais, empunhando-as com a força de Deus; não apenas para resistir ao inimigo, mas para o atacar e derrotar com bravura.
O abade de Claraval chega mesmo a estabelecer a analogia entre o mosteiro e o castelo como se se tratasse de uma única realidade: arrebatas a Cristo um magnífico castelo, se entregas Claraval a seu inimigo. Ele, Claraval, recebe cada ano excelentes rendas; há o costume de introduzir no seu campo fortificado um copioso espólio retirado aos inimigos. Ele tem uma inteira confiança na sua força. Aqui estão os que ele resgatou das mãos do inimigo, reunindo de todos os países: norte e sul, levante e poente. São Bernardo não poderia ser mais eloquente. Os Sermões para a Dedicação da Igreja revelam, de igual modo, uma visão teológica, na qual se associa a figura de Deus a uma cidade defendida por uma fortificação. Tão guarnecida está a fortificação da cidade do Senhor que não existe o mais leve temor, contanto que actuemos fiel e valorosamente, isto é, que não sejamos traidores, cobardes, nem ociosos. São traidores os que tentam introduzir o inimigo na praça do Senhor, por exemplo, os difamadores, a quem Deus aborrece; e os que semeiam discórdias e fomentam escândalos. (...) ... é um traidor quem pretende introduzir um vício qualquer nesta casa, e converter este templo de Deus numa cova de bandidos. Graças a Deus há muito poucos desta espécie entre nós. Mas às vezes não falta quem se ponha a falar ao inimigo e faça um pacto com a morte; é dizer, fazer o possível por alterar a disciplina da Ordem, reduzir o fervor, alterar a paz ou ferir a caridade. Livremo-nos destes quanto pudermos, imitando Jesus que não se fiava neles. Asseguro-vos que embora agora os toleres, se não se emendam sofrerão muito em breve um juízo tão rigoroso quanto terrível é o mal que tramam». In Nuno Villamariz Oliveira, O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

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