«(…) Debruçado sobre a balaustrada da nau, Johann vomitava mais
uma vez. Konrad, que o observava preocupado, sentiu uma mão sobre o ombro e
ouviu a voz de Hadwig: não te apoquentes, estamos a chegar. E pensar que optei
pela rota marítima, com medo de que ele não aguentasse a viagem por terra. O
pior já passou, lembrou o companheiro, cujo cabelo e sobrancelhas eram tão
louros, que pareciam brancos. Até já dobrámos esse Cabo a que chamam de
Finisterra. E o Mar Mediterrâneo será mais calmo. Espero bem que sim. Desconfio
que nenhum de nós sobreviveria a uma segunda tempestade como a que enfrentámos
no Golfo da Gasconha. Johann quase não se aguentava nas pernas e os dois
ajudaram-no a alcançar a manta que lhe servia de cama. Se ele ao menos tivesse
um tecto sobre a cabeça..., queixou-se Konrad. Só o capitão possuía aposentos
fechados, todos os outros se arrumavam
pelo convés, a não ser que tivessem de remar, debaixo deste, quando o vento não
soprava de feição. Ainda bem que a cidade do Porto não é longe, comentou
Konrad. Por mais que me custe ter que fazer uma pausa nesse Portugal, ficarei
contente pelo rapaz. A viagem, na nau abaulada de um único mastro, não corria
como ele imaginara. Além do desconforto e dos perigos que haviam enfrentado,
faltava espaço para se treinarem no combate. O comandante Arnulf de Aarschot
havia reunido os seus homens em Colónia, aos quais se juntaram muitos
peregrinos e voluntários, como Konrad, Johann e Hadwig. Este era um rapaz bem
constituído, de cabelo e sobrancelhas quase brancos e olhos de um azul
desmaiado. Pertencia à baixa nobreza, o pai dele tinha, nas suas dez jeiras de
terra, alguns camponeses a seu cargo. Mas Hadwig era o filho mais novo, sem
direito a herança, e tentava a sua sorte nas cruzadas, como tantos outros. Partiram
a 27 de Abril, navegando Reno abaixo, até à foz, na costa flamenga. Aí,
juntaram-se-lhes franceses, frísios e flamengos, dirigidos por Christian de
Gistell, de maneira que já eram sete mil quando se dirigiram ao porto inglês de Dartmouth. Os
ingleses estavam há anos envolvidos numa guerra civil e entre eles não houvera
muita pregação pelas cruzadas. Clérigos e comandantes locais tinham, ainda
assim, entre combatentes, monges e outros peregrinos, conseguido reunir oito
mil homens.
Apesar
dos violentos enjoos, Johann arranjava tempo para impressionar os companheiros
de viagem com os seus conhecimentos de latim. Dizia-se que os hispânicos
falavam uma língua parecida e muitos interessavam-se pelas lições do rapaz.
Konrad achava que era uma perda de tempo: não estais bons da cabeça, se pensais
que vamos mesmo lutar por esse rei português! Na verdade, a maioria dos
cruzados também não se entusiasmava com a ideia, mas os seus comandantes
tencionavam, pelo menos, ouvir quais as recompensas que os portugueses lhes
destinavam. Konrad esperava naturalmente que as negociações com Afonso
Henriques falhassem. Ele queria alcançar a glória ao lado do seu rei. Só assim
poderia regressar em triunfo à sua terra e vingar-se em todos aqueles que
tinham virado as costas a ele e ao irmão. Em fins de Maio, enfrentaram uma
grande tempestade no Golfo da Gasconha. Durante esses momentos infindáveis de terror, em que a
nau, fustigada pelos ciclones e chuvas, mais não era do que um joguete nas mãos
de ondas gigantescas, Johann limitava-se a rezar, encolhido a um canto, e
Konrad maldizia a sua sorte, arrependido de não ter deixado o miúdo a salvo no
convento. Deus parecia, no entanto, ter ouvido as preces do rapaz: a 30 de Maio
aportaram sãos e salvos em Gijón, no norte da Hispânia. Todavia, dos quase
duzentos barcos que haviam partido de Inglaterra, só lá chegaram cinquenta. Que
era feito dos outros?» In Cristina
Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT