A
rainha do povo
«Maria
Angelina Silva foi baptizada a 13 de Março de 1824, no lugar de Valbom, na freguesia
do Salvador de Fontearcada, concelho da Póvoa de Lanhoso. Era filha legítima de
Miguel Joaquim Silva e de Maria Josefa, neta paterna de Manuel Silva e Maria
Antunes e materna de Francisco Ferreira e de Maria Araújo Taíde. Teve por padrinhos
João António Castro, capitão de milícias de Pernambuco e assistente natural da dita
freguesia de Taíde e Angélica Melo, mulher de Francisco António Rebelo do lugar
de Paredes. A ela se viria a atribuir o feito de ter comandado uma multidão de mulheres
contra as autoridades locais, civis e militares, que faziam cumprir as ordens de
Costa Cabral, ministro da rainha dona Maria II. As reformas administrativas instituídas
no reino impunham novos impostos e normas que muito transtornavam as pessoas,
desgastadas e empobrecidas com as guerras liberais, terminadas cerca de uma década
antes. As últimas determinações régias eram vistas com maus olhos pelo povo. Se
a cobrança de uma taxa aos homens que percorriam as estradas o afligia, mais o revoltavam
as novas leis da saúde referentes aos enterros. A nova legislação exigia o
pagamento de um tributo de covato, a examinação dos corpos por um delegado
médico, e, desespero geral, a proibição de enterrar os mortos dentro das
igrejas.
Todo este descontentamento havia
de contribuir para o desencadear daquela a que se chamou A Revolução da Maria
da Fonte. Foi na Póvoa de Lanhoso, a nordeste de Braga, que esta espoletou. Não
por mera casualidade, ou por força do destino, mas como resposta à severidade e
ao rigor com que o seu administrador, José Joaquim Ferreira Melo Andrade,
(nomeado pelo governo de Lisboa, que assim estabelecia um novo cargo municipal,
pago pelas gentes), fazia cumprir as disposições régias. O verdadeiro primeiro grito
de rebelião soou a 22 de Março de 1846, quando uma turba de camponesas se opôs ao
enterro de uma sua conterrânea no adro da igreja. Armadas de foices, chuços e varapaus,
escorraçaram o sacerdote, o delegado médico e os coveiros e carregaram aos ombros
a defunta até à igreja de Fontarcada, onde elas mesmas a sepultaram. Desde então,
muitas foram as situações semelhantes que se repetiram pelo concelho, para
desagrado do seu governante.
Entretanto, este mandou prender várias
mulheres que tomava por cabecilhas dos tumultos, o que mais incendiou os ânimos
das revoltosas. Foi então que, numa manhã fria de Primavera, uma chusma de
populares, empunhando os seus habituais instrumentos de lavoura, assaltaram a cadeia,
libertando as prisioneiras. À frente, a chefiar as amotinadas, seguia,
destemida, Maria Angelina, que se destacou das demais pela sua valentia, pelo vermelho
do colete que envergava, e pelos brados de abaixo os Cabrais! e viva a
rainha! Depois, foi o inferno, com as mulheres e correrem à casa do biltre,
a queimarem-lhe os papéis e a ameaçarem fazer o mesmo à sua casa. Exasperado, Ferreira
Melo, que se tinha refugiado noutro local, pediu auxílio militar à capital de distrito.
Tardando a ajuda e sucedendo-se os acontecimentos, a exaltação popular foi crescendo
de tom. Como fogo em palha seca, os levantamentos alastraram-se a outras terras
minhotas, mais tarde, à província vizinha de Trás-os-Montes, e, por fim, às
Beiras e à Estremadura, granjeando adeptos e chamando a atenção dos partidários
de e1-rei Miguel, então exilado em Londres». In Maria João Fialho Gouveia, Maria
da Fonte, Topseller, 20/20 Editora, 2017, ISBN 978-989-886-955-5.
Cortesia de Topseller/20/20
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