sábado, 16 de dezembro de 2017

Maria da Fonte. Maria João F. Gouveia. «Foi na Póvoa de Lanhoso, a nordeste de Braga, que esta espoletou. Não por mera casualidade…»

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A rainha do povo
«Maria Angelina Silva foi baptizada a 13 de Março de 1824, no lugar de Valbom, na freguesia do Salvador de Fontearcada, concelho da Póvoa de Lanhoso. Era filha legítima de Miguel Joaquim Silva e de Maria Josefa, neta paterna de Manuel Silva e Maria Antunes e materna de Francisco Ferreira e de Maria Araújo Taíde. Teve por padrinhos João António Castro, capitão de milícias de Pernambuco e assistente natural da dita freguesia de Taíde e Angélica Melo, mulher de Francisco António Rebelo do lugar de Paredes. A ela se viria a atribuir o feito de ter comandado uma multidão de mulheres contra as autoridades locais, civis e militares, que faziam cumprir as ordens de Costa Cabral, ministro da rainha dona Maria II. As reformas administrativas instituídas no reino impunham novos impostos e normas que muito transtornavam as pessoas, desgastadas e empobrecidas com as guerras liberais, terminadas cerca de uma década antes. As últimas determinações régias eram vistas com maus olhos pelo povo. Se a cobrança de uma taxa aos homens que percorriam as estradas o afligia, mais o revoltavam as novas leis da saúde referentes aos enterros. A nova legislação exigia o pagamento de um tributo de covato, a examinação dos corpos por um delegado médico, e, desespero geral, a proibição de enterrar os mortos dentro das igrejas.
Todo este descontentamento havia de contribuir para o desencadear daquela a que se chamou A Revolução da Maria da Fonte. Foi na Póvoa de Lanhoso, a nordeste de Braga, que esta espoletou. Não por mera casualidade, ou por força do destino, mas como resposta à severidade e ao rigor com que o seu administrador, José Joaquim Ferreira Melo Andrade, (nomeado pelo governo de Lisboa, que assim estabelecia um novo cargo municipal, pago pelas gentes), fazia cumprir as disposições régias. O verdadeiro primeiro grito de rebelião soou a 22 de Março de 1846, quando uma turba de camponesas se opôs ao enterro de uma sua conterrânea no adro da igreja. Armadas de foices, chuços e varapaus, escorraçaram o sacerdote, o delegado médico e os coveiros e carregaram aos ombros a defunta até à igreja de Fontarcada, onde elas mesmas a sepultaram. Desde então, muitas foram as situações semelhantes que se repetiram pelo concelho, para desagrado do seu governante.
Entretanto, este mandou prender várias mulheres que tomava por cabecilhas dos tumultos, o que mais incendiou os ânimos das revoltosas. Foi então que, numa manhã fria de Primavera, uma chusma de populares, empunhando os seus habituais instrumentos de lavoura, assaltaram a cadeia, libertando as prisioneiras. À frente, a chefiar as amotinadas, seguia, destemida, Maria Angelina, que se destacou das demais pela sua valentia, pelo vermelho do colete que envergava, e pelos brados de abaixo os Cabrais! e viva a rainha! Depois, foi o inferno, com as mulheres e correrem à casa do biltre, a queimarem-lhe os papéis e a ameaçarem fazer o mesmo à sua casa. Exasperado, Ferreira Melo, que se tinha refugiado noutro local, pediu auxílio militar à capital de distrito. Tardando a ajuda e sucedendo-se os acontecimentos, a exaltação popular foi crescendo de tom. Como fogo em palha seca, os levantamentos alastraram-se a outras terras minhotas, mais tarde, à província vizinha de Trás-os-Montes, e, por fim, às Beiras e à Estremadura, granjeando adeptos e chamando a atenção dos partidários de e1-rei Miguel, então exilado em Londres». In Maria João Fialho Gouveia, Maria da Fonte, Topseller, 20/20 Editora, 2017, ISBN 978-989-886-955-5. 

Cortesia de Topseller/20/20 E/JDACT