«Eugénio de
Andrade é, a par de Pessanha, o poeta português mais próximo de uma
poesia-música, numa linguagem maximamente cerrada sobre si, ou inesgotável a
qualquer paráfrase...» In Óscar Lopes
«Trata-se de um
dos maiores líricos da literatura portuguesa, que é também o grande poeta do
amor no nosso século XX». In António José Saraiva
(…)
«Trazia consigo
a graça
das fontes
quando anoitece.
Era o corpo como
um rio
em sereno
desafio
com as margens
quando desce.
Andava como quem
passa
sem ter tempo de
parar.
Ervas nasciam
dos passos,
cresciam troncos
dos braços
quando os erguia
no ar.
Sorria como quem
dança.
E desfolhava ao
dançar
o corpo, que lhe
tremia
num ritmo que
ele sabia
que os deuses
devem usar.
E seguia o seu
caminho,
porque era um
deus que passava.
Alheio a tudo o
que via,
enleado na
melodia
duma flauta que
tocava.
Tenho o nome
duma flor
quando me
chamas.
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água,
rapariga,
ou algum pomar
que atravessei.
Impetuoso, o teu
corpo é como um rio
onde o meu se
perde.
Se escuto, só
oiço o teu rumor.
De mim, nem o
sinal mais breve.
Imagem dos
gestos que tracei
irrompe puro e
completo.
Por isso, rio
foi o nome que lhe dei.
E nele o céu
fica mais perto».
A uma cerejeira
em flor
«Acordar,
ser na, manhã de abril
a brancura desta
cerejeira;
arder das folhas
à raiz,
dar versos ou
florir desta maneira.
Abrir os braços,
acolher nos ramos
o vento, a luz
ou o quer que seja;
sentir o tempo,
fibra a fibra,
a tecer o
coração duma cereja.
Shelley sem
anjos e sem pureza,
aqui estou à tua
espera nesta praça,
onde não há
pombos mansos mas tristeza
e uma fonte por
onde a água já não passa.
Das árvores não
te falo pois estão nuas;
das casas não
vale a pena porque estão
gastas pelo
relógio e pelas luas
e pelos olhos de
quem espera em vão.
De mim podia
falar-te, mas não sei
que dizer-te
desta história de maneira
que te pareça
natural a minha voz.
Só sei que passo
aqui a tarde inteira
tecendo estes
versos e a noite
que te há-de
trazer e nos há-de deixar sós».
Poemas de
Eugénio de Andrade, in ‘Antologia
Breve’
In
Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Obra de Eugénio de Andrade nº 25, Fundação
Eugénio de Andrade.