The
British Museum. Londres. 14 de Novembro
«Harry Masterson estaria morto treze minutos mais tarde. Se
o tivesse sabido, teria fumado o último cigarro até ao filtro. Em vez disso,
esmagou o pequeno rolo após três puxadas e afastou a nuvem de fumo do rosto. Se
fosse apanhado a fumar fora da sala de descanso dos guardas, seria posto na rua
por aquele canalha do Fleming, o chefe de segurança do museu. Harry já estava
sob vigilância por ter chegado duas horas atrasado ao turno, na semana
anterior. Harry praguejou baixinho e meteu ao bolso o cigarro esmagado.
Terminá-lo-ia na próxima pausa..., isto é, se houvesse pausa nessa noite. Os
trovões ecoavam através das paredes de alvenaria. A trovoada invernosa
acometera mesmo antes da meia-noite, iniciando-se com uma salva tumultuosa de
granizo, seguida de um dilúvio que ameaçava fazer Londres desaparecer no
Tamisa. Os relâmpagos dançavam pelos céus em configurações bifurcadas, de
horizonte em horizonte. Segundo o meteorologista da BBC, tratava-se de uma das
mais violentas trovoadas de há mais de uma década. Parte da cidade fora
obliterada, subjugada por uma impressionante barragem relampejante. E para azar
de Harry foi a sua parte da cidade que obscureceu, incluindo o British Museum
em Great Russell Street. Embora dispusessem de geradores de reserva, toda a
equipe de segurança fora convocada para protecção adicional do património do
museu. Os outros elementos chegariam na meia hora seguinte. Mas Harry, escalado
para o turno da noite, já se encontrava ao serviço quando as luzes normais se
apagaram. E embora as câmaras de videovigilância continuassem operacionais no
quadro de emergência, Fleming ordenou que ele e os colegas de turno procedessem
a uma patrulha imediata dos quatro quilómetros de salas do museu. O que
significava actuar em separado.
Harry
pegou na sua lanterna eléctrica e apontou-a para o fundo da sala. Ele odiava
fazer rondas à noite, quando o museu se perdia na obscuridade. A única iluminação vinha dos candeeiros da rua do
lado de fora das janelas. Mas agora, com o apagão, até mesmo esses candeeiros
se tinham extinguido. O museu escurecera para sombras macabras, entrecortadas
pelos lagos carmesins das lâmpadas de segurança de baixa voltagem. Harry
necessitara de algumas golfadas de nicotina para aplacar os nervos, mas não
podia adiar mais o dever. Sendo o mais inferior na ordem de hierarquia do turno
da noite, fora-lhe atribuído o patrulhamento das salas da ala norte, o ponto
mais distante do seu abrigo de segurança subterrâneo. Mas isso não significava
que não pudesse tomar um atalho. Voltando costas ao longo salão à sua frente,
transpôs a porta que conduzia ao Grande Átrio Rainha Isabel II. Esse átrio
central de 8.000 metros quadrados era circundado pelas quatro alas do British
Museum. No seu centro, erguia-se a Sala de Leitura Redonda com a sua cúpula de
cobre, uma das mais belas bibliotecas do mundo. Mais acima, a totalidade dos
8000 metros quadrados fora encerrada por uma gigantesca cobertura geodésica
desenhada pela Fosters and Partners, criando a maior área coberta da Europa.
Usando
a sua chave-mestra, Harry mergulhou no espaço cavernoso. Tal como o museu
propriamente dito, o átrio estava
perdido na obscuridade. A chuva tamborilava na cobertura de vidro lá bem acima.
Mesmo assim, os passos de Harry ecoavam pelo espaço aberto. Um novo golpe de
luz estilhaçou o céu. A cobertura, dividida em milhares de placas triangulares,
iluminou-se num ápice com um brilho ofuscante. Depois a escuridão voltou a
submergir o museu, abatendo-se com a chuva. Seguiu-se o trovão, sentido fundo
no peito. A cobertura ressoou em consonância. Harry encolheu-se, receando que
toda a estrutura se despenhasse. Com a sua lanterna apontada em frente,
atravessou o átrio, dirigindo-se à ala norte. Circundou a Sala de Leitura
central. Um relâmpago dardejou de novo, iluminando o lugar por ínfimas
pulsações. Gigantescas estátuas, perdidas na escuridão, surgiram de lado
nenhum. O Leão de Cnido ergueu-se junto à cabeça maciça de uma estátua da Ilha
de Páscoa. Depois a obscuridade engoliu os guardiães quando o raio se
extinguiu. Harry sentiu um arrepio e o eriçar de pele de galinha. Apressou o
passo. A cada passada praguejava baixinho: maldito pedaço pulguento de mer… A litania
ajudava-o a acalmar». In James Rollins, A Cidade Perdida, Bertrand
Editora, 2015, ISBN 978-972-252-930-3.
Cortesia de BEditora/JDACT