Constança
Castelo de Toro, Castela
«(…) Para onde me levais, meu
pai?, quis saber, afastando a atenção da jóia. Saberás em breve. Nenhuma informação
será ouvida neste lugar. Os meus domínios são vastos. A filha sorriu
timidamente. Só o rei castelhano estava à altura de pedir meças territoriais ao
grande senhor que se transformara no seu maior inimigo. Uma das damas chegou-se
à porta com uma almofada de veludo onde pousava um diadema em forma de coroa
encimado por rubis e safiras, um presente do rei da época dos esponsais. Depois
da vénia, lançou, provocadora: o que deverei fazer com a jóia, senhora? Essa
coroa nunca me serviu. Senti-a sempre demasiado pequena, respondeu Constança
prontamente. Um brilho de orgulho perpassou pelo olhar vivo do infante Juan
Manuel. A melancolia da filha não amordaçava a altivez que herdara da sua estirpe.
Ser-lhe-ia útil aquela têmpera. As montadas já deverão estar prontas. Ordenei
que lhes dessem água e curto descanso, anunciou o fidalgo castelhano, desejoso
de se ver dali para fora, não fosse a trégua de Afonso XI expirar subitamente, a
boa vontade do rei poderia ter sido apenas um estratagema para o apanhar dentro
do Castelo de Toro... Devemos partir, a jornada será longa.
Constança olhou em redor, com a
sensação de destino cumprido e a certeza de que não regressaria àquele
cativeiro de desonra e dor. Até a mãe lhe morrera, afundada no vexame da única
filha, sem ter podido dar-lhe um beijo de despedida. Mas agora era tempo de
olhar o futuro. As damas continuavam de olhos no solo, numa inversão de papéis.
Endireitou o corpo, pronta para sair. Aceitou a capa de lã com que Violante lhe
cobriu o corpo e abandonou a câmara em silêncio, sem olhar para trás.
Saíram sem sobressaltos. Os caminhos
empoeirados não tapavam a grandiosidade da escolta, com dezenas de guardas e
cavaleiros e o estandarte dos Manuel bem visível, para vincar o regresso a casa
da descendente do homem que Afonso XI destratara. Como se cada momento dos dias
de viagem entre Toro e o Castelo de Peñafiel, na meseta castelhana, se
destinasse a provar que o neto de Fernando III de Castela e filho do infante
Manuel não era alguém arredado dos grandes assuntos de Estado castelhanos. O
poder precisava de ser visível e aquela viagem tinha uma leitura, independentemente
da felicidade de um pai que resgatara a filha das garras do agressor. A algazarra
ritmada e intimidante dos cascos dos cavalos sobre a terra fazia parar as
gentes na borda dos caminhos. Os homens libertavam a cabeça de gorros e
capuzes, as mulheres juntavam as mãos sobre o peito ou apertavam os aventais
numa mudez de admiração, os petizes corriam atrás do pó deixado pelos últimos
cavalos da comitiva». In Isabel Machado, Constança, A Princesa
Traída por Pedro e Inês, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.
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