sábado, 19 de maio de 2018

A Princesa Traída por Pedro e Inês. Isabel Machado. «Constança olhou em redor, com a sensação de destino cumprido e a certeza de que não regressaria àquele cativeiro de desonra e dor»

 
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Constança
Castelo de Toro, Castela
«(…) Para onde me levais, meu pai?, quis saber, afastando a atenção da jóia. Saberás em breve. Nenhuma informação será ouvida neste lugar. Os meus domínios são vastos. A filha sorriu timidamente. Só o rei castelhano estava à altura de pedir meças territoriais ao grande senhor que se transformara no seu maior inimigo. Uma das damas chegou-se à porta com uma almofada de veludo onde pousava um diadema em forma de coroa encimado por rubis e safiras, um presente do rei da época dos esponsais. Depois da vénia, lançou, provocadora: o que deverei fazer com a jóia, senhora? Essa coroa nunca me serviu. Senti-a sempre demasiado pequena, respondeu Constança prontamente. Um brilho de orgulho perpassou pelo olhar vivo do infante Juan Manuel. A melancolia da filha não amordaçava a altivez que herdara da sua estirpe. Ser-lhe-ia útil aquela têmpera. As montadas já deverão estar prontas. Ordenei que lhes dessem água e curto descanso, anunciou o fidalgo castelhano, desejoso de se ver dali para fora, não fosse a trégua de Afonso XI expirar subitamente, a boa vontade do rei poderia ter sido apenas um estratagema para o apanhar dentro do Castelo de Toro... Devemos partir, a jornada será longa.
Constança olhou em redor, com a sensação de destino cumprido e a certeza de que não regressaria àquele cativeiro de desonra e dor. Até a mãe lhe morrera, afundada no vexame da única filha, sem ter podido dar-lhe um beijo de despedida. Mas agora era tempo de olhar o futuro. As damas continuavam de olhos no solo, numa inversão de papéis. Endireitou o corpo, pronta para sair. Aceitou a capa de lã com que Violante lhe cobriu o corpo e abandonou a câmara em silêncio, sem olhar para trás.
Saíram sem sobressaltos. Os caminhos empoeirados não tapavam a grandiosidade da escolta, com dezenas de guardas e cavaleiros e o estandarte dos Manuel bem visível, para vincar o regresso a casa da descendente do homem que Afonso XI destratara. Como se cada momento dos dias de viagem entre Toro e o Castelo de Peñafiel, na meseta castelhana, se destinasse a provar que o neto de Fernando III de Castela e filho do infante Manuel não era alguém arredado dos grandes assuntos de Estado castelhanos. O poder precisava de ser visível e aquela viagem tinha uma leitura, independentemente da felicidade de um pai que resgatara a filha das garras do agressor. A algazarra ritmada e intimidante dos cascos dos cavalos sobre a terra fazia parar as gentes na borda dos caminhos. Os homens libertavam a cabeça de gorros e capuzes, as mulheres juntavam as mãos sobre o peito ou apertavam os aventais numa mudez de admiração, os petizes corriam atrás do pó deixado pelos últimos cavalos da comitiva». In Isabel Machado, Constança, A Princesa Traída por Pedro e Inês, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.
                                                                                                                   
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